É possível tratar dados sem autorização do titular?

Advogado diz que sim, uma vez que o pedido de permissão pode gerar burocracia e insegurança, inviabilizando atividade do agronegócio

Fonte: Mombak Comunicação Estratégica

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Em vigor desde setembro do ano passado, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ainda gera dúvidas entre os brasileiros, sobretudo em relação ao tratamento de dados sem o consentimento do titular. É necessário, por exemplo, a empresa de agronegócio pedir permissão de colaboradores, parceiros e clientes para usar dados pessoais desses para se defender de uma ação judicial?  O advogado Luiz Felipe Calábria, do escritório Lima Netto Carvalho Abreu Mayrink, assegura que não.

“A LGPD não proíbe o tratamento de dados pessoais sem o consentimento do titular”, diz o advogado. Segundo ele, o consentimento é apenas uma das hipóteses em que o tratamento é permitido. “E, na maioria dos casos, a obtenção do consentimento não é o procedimento mais adequado, pois, além de aumentar a burocracia, abre a possibilidade de o titular não autorizar o tratamento, o que pode trazer insegurança ou mesmo inviabilizar a atividade empresarial”, alerta Luiz Felipe.

No caso do agronegócio, as hipóteses que possivelmente serão mais usadas pelas empresas são o cumprimento de obrigação legal ou regulatória; a execução de contratos com o titular; o exercício de direitos em processos; o legítimo interesse da empresa; e a proteção do crédito e prevenção de fraudes.

Nos casos em que a finalidade do tratamento é o cumprimento de obrigação legal ou regulatória, Luiz Felipe Calábria diz que o produtor não precisa de consentimento do titular. “Por exemplo, no caso de venda de produtos, há situações em que a legislação exige a emissão de notas fiscais com identificação do comprador. Nesses casos, o produtor pode coletar os dados necessários para emissão da nota (como nome, e-mail, telefone, CPF) e transmitir esses dados ao Poder Público, sem necessidade de autorização do titular”, diz. Ele cita como outro exemplo, no âmbito das relações de trabalho, a coleta e armazenamento dos dados necessários para pagamento das contribuições sociais do empregado – que independe da autorização deste, já que o empregador tem a obrigação legal de fazer tais recolhimentos.

A empresa do agronegócio também não precisa de autorização do titular quando o tratamento dos dados tiver a finalidade de cumprir o contrato celebrado entre eles. Por exemplo, a empresa pode coletar e armazenar, mesmo sem autorização do titular, os dados necessários para qualificar seu parceiro comercial no contrato (nome, nacionalidade, estado civil, profissão, identidade, CPF, endereço comercial, e-mail, telefone) ou mesmo dados necessários para cumprir suas obrigações contratuais, como é o caso de dados bancários (caso o pagamento deva ocorrer por transferência bancária) ou endereço residencial (caso algum produto deva ser entregue nesse local). Essa hipótese, conforme Luiz Felipe, também é bastante utilizada no âmbito das relações de trabalho, já que o empregador pode se obrigar a oferecer ao empregado uma variedade de benefícios (seguro de vida, plano de saúde, etc.) e precisa de dados do empregado para cumprir essas obrigações.

O empresário do agronegócio poderá usar ainda dados pessoais de colaboradores, parceiros e/ou clientes sem a permissão do titular para se defender em uma ação judicial ou em algum processo administrativo, como autos de infração, licenças ambientais etc.

Já o legítimo interesse é a hipótese mais ampla (e, assim, mais vaga) de utilização de dados pessoais sem autorização do titular. De acordo com Luiz Felipe Calábria, a LGPD dá alguns exemplos de interesses considerados legítimos: o apoio e promoção de atividades da empresa; a proteção dos direitos do titular; e a prestação de serviços que beneficiem o titular. No entanto, existem duas importantes restrições: o legítimo interesse não pode ser utilizado como justificativa para o tratamento de dados pessoais considerados sensíveis (origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico).

E mais: sempre que utilizar o legítimo interesse como justificativa para o tratamento de dados, a empresa deverá elaborar e manter arquivado um relatório de impacto à proteção de dados pessoais, que poderá ser solicitado a qualquer tempo pela fiscalização, a fim de verificar se o tratamento realizado realmente poderia ser justificado no legítimo interesse. Por isso, é preciso cautela e responsabilidade na utilização dessa hipótese legal.

Para evitar fraudes ou proteger o crédito, a empresa pode consultar o nome de eventuais parceiros/clientes em órgãos como Serasa ou em cartórios de protesto ou tribunais, independentemente do consentimento desses parceiros/clientes.

Por fim, o advogado Luiz Felipe Calábria cita outras hipóteses legais que independem de consentimento, mas que não são tão relevantes para o agronegócio, como a proteção da vida, saúde ou incolumidade física de pessoas; a realização de estudos por órgãos de pesquisa; a execução de políticas públicas pela administração pública.