Uma reunião técnica, envolvendo lideranças científicas da Acelen Renováveis , da Embrapii e da Embrapa, deu início ao projeto de desenvolvimento tecnológico das espécies de palmeira macaúba para produção de combustível renovável de aviação (SAF, na sigla em inglês), diesel verde (HVO), energia térmica e outros produtos de alto valor agregado.
A parceria de inovação aberta visa contribuir para a domesticação da macaúba e a decorrente implantação de máquinas comerciais e o melhor aproveitamento dos frutos (casca, polpa, endocarpo e amêndoa) através de processos mais eficazes para a extração de óleos de alta qualidade e geração de bioprodutos.
O projeto, que terá duração de cinco anos, está amparado em dois acordos de cooperação técnica firmados entre a Acelen Renováveis e a Embrapa Agroenergia, cujos investimentos somam R$ 13,7 milhões, com o apoio financeiro da Embrapii e do BNDES, e envolve o apoio científico de outros quatro centros de pesquisa, como Embrapas Algodão, Florestas, Meio Norte e Recursos Genéticos e Biotecnologia.
O empreendimento da Acelen Renováveis é desenhado para atender o processo de transição energética, oferecendo combustíveis renováveis em larga escala, e tem claras orientações ambientais e sociais, na medida em que visa criar sistemas de produção descarbonizados em áreas de semiárida, criando novas opções econômicas para comunidades carentes, e o reaproveitamento de efluentes industriais. Espera-se a criação de 90 mil empregos diretos e a geração anual de R$ 7,4 bilhões de renda para as populações envolvidas.
Segundo Alexandre Alonso, chefe geral da Embrapa Agroenergia, a iniciativa da Acelen Renováveis é extremamente importante porque a demanda por biocombustíveis avançados crescerá exponencialmente nos próximos anos à medida que crescerem também assumido por descarbonização.
“O país tem a oportunidade de se tornar produtor e fornecedor de combustível sustentável de aviação (SAF) e diesel verde (HVO) globalmente. Para isso são necessários investimentos em P&D tanto em matéria-prima (como o caso da macaúba), quanto em novos bioprocessos, além de modelagem”, analisa.
Victor Barra, diretor de Agronegócios da Acelen Renováveis, afirma que esse projeto de domesticação da macaúba poderá transformar a Acelen Renováveis, que tem a visão de se tornar “a maior e mais competitiva produtora de combustíveis renováveis, num modelo integrado que vai da semente da macaúba ao combustível”, na líder brasileira no mercado global de transição energética.
Sobre a Acelen Renováveis
A Acelen Renováveis foi criada para acelerar a transição energética em escala global com combustíveis renováveis, produzidos a partir de matéria-prima renovável com 100% do cultivo feito em pastagens degradadas no Brasil e, assim, oferecer uma resposta inovadora e sustentável às mudanças climáticas e ao futuro do planeta.
A empresa vai investir inicialmente mais de US$ 3 bilhões, nos próximos anos, no primeiro modelo de projeto no Brasil, com objetivo de atingir a capacidade anual de 1 bilhão de litros de SAF (combustível ecológico de aviação) e HVO (diesel ecológico), criando um modelo inovador, competitivo e totalmente integrado, “desde a germinação da semente até a distribuição dos combustíveis, nos tornando um vetor de desenvolvimento sustentável”.
O objetivo da Acelen Renováveis é desenvolver o projeto em áreas semiáridas e viabilizar um cultivo agrícola extremamente eficiente na produção de óleo, “para não se tomar áreas de produção de alimentos”. Victor Barra ressalta que o processo agroindustrial tem que ser altamente competitivo, tanto em termos de custos quanto em pegada de carbono.
A escolha da macaúba, uma planta de alta densidade energética e grande capacidade de sequestrar carbono, atende a essa perspectiva. Estima-se que a cada ano 60 milhões de toneladas de CO2 sejam afetadas pela atmosfera e que se reduza em 80% as emissões do gás, além da recuperação de áreas degradadas.
Por isso, ele insiste que a questão crucial, para o sucesso da empreitada, é obter sistemas de produção que resultem em altos rendimentos de óleo por hectare e processos industriais eficazes para a extração destes óleos.
“O que observamos na natureza é que a planta possui um primórdio floral para cada folha que ela emite e, em média, lança 15 folhas por ano. Ao menos doze delas devem virar cachos de frutas para serem colhidas. Mas o normal é vermos palmeiras com apenas 3 ou 4 cachos. Temos que entender muito bem a fisiologia da macaúba, para destravar esses bloqueios e viabilizar a alta produção de frutos e, consequentemente, de óleo por hectare que o projeto requer”, orienta.
Apesar disso, ele entende que domesticar a planta não é o maior desafio do projeto: “Resolver os problemas agronômicos da planta, para nós, é apenas uma questão de tempo, dada a competência nesse quesito já demonstrada pela pesquisa agropecuária pública, da qual a Embrapa é um dos expoentes, acrescida da expertise da equipe Agro da Acelen Renováveis”, afirma.
Para ele, o maior desafio será o processamento do fruto para a coleta do óleo e aproveitamento total das demais biomassas, para que não haja geração de resíduos, mas sim agregação de valor. Isso é primordial para que toda a cadeia produtiva obtenha as certificações necessárias para o mercado externo e torne os produtos altamente competitivos.
Assim, na sua opinião, o alcance do projeto transcende as expectativas e os benefícios locais: “A domesticação da macaúba não é um projeto de uma empresa, ou nem mesmo de um país, mas um projeto para o mundo”, conclui.
Desafios
A pesquisadora Simone Favaro, da Embrapa Agroenergia, que coordenará este projeto, lembra que, no Brasil, ocorrem naturalmente três espécies de palmeira: a Acrocomia aculeata , predominante nos cerrados do Brasil Central, a Acrocomia intumescens , que ocorre em áreas do Nordeste, e a Acrocomia totai , que aparece em áreas do Paraná, de São Paulo, do Mato Grosso do Sul e no Pantanal. O projeto vai se dedicar às duas primeiras, já adaptadas às áreas de interesse da Acelen Renováveis, que sedia seus negócios entre Bahia e Norte de Minas Gerais.
A macaúba já vem sendo objeto de estudos, há algum tempo, pela Embrapa e outras organizações públicas de pesquisa, como a Universidade Federal de Viçosa, e alguns avanços importantes já foram obstáculos.
Segundo a pesquisadora, uma barreira importante, quando se pensa em plantios comerciais, era a produção de mudas, já que a taxa de germinação natural das sementes era baixíssima: apenas 5% das sementes. “Um protocolo da UFV resolveu isto e hoje se consegue germinar até 95% das sementes”, comemora Favaro.
Ela cita ainda os avanços na elaboração e aprovação do Zoneamento Agrícola de Risco Climático ( ZARC ) para a cultura, que indica áreas com menor risco climatológico para exploração da macaúba no sistema de sequeiro e dá acesso ao Proagro e à subvenção ao Seguro Rural, dando maior segurança ao negócio.
Há também avaliações da diversidade de plantas nas populações nativas para implantação de um banco ativo de germoplasma, com mais de 100 acessos diferentes para viabilizar programas de melhoramento genético.
Mas, alerta Favaro, há outros grandes desafios.
Ela sinaliza que a segunda grande barreira para a implantação de máquinas comerciais é a disponibilização de materiais de mistura de alta produtividade, obtida por melhoria genética convencional, já que polinizações cruzadas, entre flores de uma mesma palmeira, podem gerar enorme variabilidade de plantas quanto à produtividade de frutos, algumas com rendimentos inferiores ao desejado.
Por isso, confessa a universidade de, no futuro, desenvolver protocolos para viabilizar a obtenção de clones das melhores palmeiras para garantir que as lavouras sejam formadas apenas com plantas de alto rendimento, assim como vem ocorrendo com a palmeira do dendê.
Em ambos os casos será preciso desenvolver e ajustar ferramentas analíticas e usar tanto nos maciços nativos quanto nos plantios comerciais já existentes, para selecionar as plantas de alto rendimento que serão matrizes para plantas melhoradas.
Uma vez obtidas plantas de alto rendimento, para se implantar lavouras economicamente viáveis será preciso delinear sistemas de produção para a macaúba, definindo espaçamentos entre plantas, adubação, manejo de água e outros tratos culturais.
Como é do interesse da Acelen utilizar áreas semiáridas degradadas, o projeto pretende investigar também a possibilidade de implantação de sistemas de integração macaúba-lavores e macaúba-pecuária.
Simone Favaro observa também que os frutos recolhidos diretamente do chão, quando demoram muito tempo no solo antes de serem recolhidos, tendem a sofrer um processo de fermentação e eliminação da polpa e da amêndoa, o que prejudica a qualidade dos óleos. O projeto deve investir em logística de colheita e pós-colheita para evitar esse dano.
Segundo ela, o desenvolvimento tecnológico do segmento industrial do projeto também apresenta grandes desafios, sendo o mais determinante deles a criação de processos mais inovadores para a extração do óleo de polpa e de amêndoa, visando aumentar a taxa de extração dos óleos, mas também a sua qualidade.
“Mas, o óleo representa apenas de 10% a 20% do que a macaúba nos oferece. Os 80% restantes podem ser numerosos coprodutos de alto valor agregado, como tortas de polpa e de amêndoa para produtos de alimentação e o endocarpo para geração de energia e biocarvões.
Os óleos de polpa e de amêndoa, com propriedades distintas, além de combustíveis, podem ter inúmeras aplicações no segmento de alimentos, tanto como óleo de mesa, como na manteiga de chocolate, sorvetes, recheios e margarinas”, aponta.
No mercado de produtos químicos de limpeza, podem ser usados na produção de xampus, hidratantes, sabonetes e maquiagens. E podem ser usados na produção de tintas, vernizes e lubrificantes. A polpa e a amêndoa ainda podem ser usadas em rações animais e farinhas para alimentação humana.
A casca pode gerar energia térmica, o endocarpo (o coquinho) pode ser transformado em carvão ativado para filtros e biochar (uso em melhoria dos solos e captura de carbono) e os efluentes industriais podem produzir biogás e fertilizantes.
O projeto também apresenta estudos transversais como a viabilidade econômica da exploração da macaúba, inventários de carbono nos maciços e nas plantações e análises do ciclo de vida da oleaginosa. “Há um longo caminho pela frente”, sinaliza Favaro. “O desenvolvimento agroindustrial da macaúba está apenas no seu início”, finaliza.