O Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), presidido pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, tem até o dia 5 de abril para decidir sobre o plantio no Brasil de trigo transgênico. O plantio foi aprovado no dia 1º de março pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
A decisão foi publicada no Diário Oficial da União do dia 7 deste mês. A partir daí, o CNBS teria prazo de 30 dias para se manifestar a respeito. “Se ele não se manifestar em 30 dias, isso (o plantio) fica liberado”, disse à Agência Brasil o presidente da CTNBio, Paulo Barroso. “Agora, ainda está nesse prazo”.
O CNBS recebeu ofício de organizações da sociedade civil pedindo o cancelamento da liberação do cultivo de trigo transgênico HB4 e a importação de farinha de trigo transgênico HB4. O documento é assinado por um coletivo de organizações e movimentos sociais e foi protocolado no dia 20 de março. Ele denuncia violações no processo de aprovação do produto geneticamente modificado, perigos à saúde, ao meio ambiente e à soberania alimentar. O trigo faz parte da base da alimentação da população brasileira. O texto foi encaminhado também ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. As organizações alegam que a decisão da CTNBio foi tomada sem a realização de debates públicos e análises técnicas.
Seca
O presidente da CTNBio, Paulo Barroso, lembrou que a farinha de trigo transgênico já está liberada para consumo no Brasil desde 2021. Esse trigo poderia ser produzido na Argentina ou em qualquer outro país e trazido para o Brasil. “O que a gente fez foi uma liberação para plantio no país”. Barroso explicou que a principal característica desse trigo está associada à tolerância à seca, que é um problema grave, decorrente do aquecimento global e das mudanças climáticas. “Então, se houver seca, esse trigo pode contribuir não só para os produtores do Sul, mas para produtores de outros estados brasileiros”.
Ele esclareceu que a CTNBio não faz avaliação das características do trigo, se ele é bom nesse sentido agrícola. ”O que a gente faz é uma avaliação da segurança dele em relação ao meio ambiente, à saúde humana e à saúde animal”. Segundo Barroso, foi feita uma avaliação detalhada quanto à farinha, bem como a possibilidade de produção no país. ”E não há nada em relação a esse trigo transgênico que permita acreditar que ele é diferente do trigo convencional. Sob o ponto de vista ambiental e da saúde humana e animal, a gente considerou que ele é similar ao trigo convencional”.
Inovação
Paulo Barroso afirmou que em um cenário de conflito mundial e de dificuldades na alimentação global, esse trigo poderia ser uma boa alternativa. “Acho que qualquer inovação tecnológica que permita ter maior sustentabilidade no processo de produção é muito bem-vinda”. Segundo Barroso, as instituições estão questionando a utilização de um determinado herbicida ao qual esse trigo também é resistente. Ele é tolerante a um herbicida denominado glufosinato de amônio. O presidente da CTNBio explicou que não está dentro do escopo da instituição autorizar a utilização desse glufosinato de amônio em área total como herbicida em trigo. A competência para isso é do Ministério da Agricultura, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no escopo da Lei dos Agrotóxicos.
Segundo Barroso, esse herbicida já vem sendo utilizado pelos agricultores, não no momento do plantio, para controlar plantas daninhas, mas como dessecante, no final do ciclo, já com os grãos de trigo formados, para matar a planta. “Para ser colhida, a planta do trigo precisa estar morta, precisa estar seca”. Os produtores entram então com esse herbicida no final do ciclo, a fim de preparar a planta para ser colhida. Essa autorização já foi dada pelos três órgãos, dentro da Lei dos Agrotóxicos. Barroso deixou claro que não é novidade utilizar esse herbicida na cultura do trigo. “Já é utilizado em larga escala, principalmente nos estados da Região Sul do país”.
O CNBS não vai avaliar a questão da segurança, mas outros aspectos em relação à pertinência da tecnologia ao país. “A parte de segurança foi avaliada pela CTNBio. O resultado da avaliação feita foi que o trigo transgênico é tão seguro quanto o convencional, tanto para consumo humano quanto para plantio no país.
Embrapa
A Embrapa Trigo está fazendo, no momento, avaliações em campo, “com todo rigor normativo”, do material geneticamente modificado. A informação foi dada à Agência Brasil pelo chefe da Embrapa Trigo, Jorge Lemainski. “A empresa tem um desenho para avaliar em campo esses materiais que têm a introgressão (transferência ou introdução permanente de genes de uma espécie para outra) do gene HB4, que é do girassol”. O objetivo é ver se há tolerância ao estresse hídrico, isto é, se consegue produzir com menos água. Esse trabalho está em andamento para verificar se no ambiente brasileiro se produz esse tipo de resultado.
Uma das exigências do estudo é ver se os materiais geneticamente modificados têm equivalência com seus similares. Cinco cultivares da Embrapa Trigo estão sendo avaliados com essa finalidade na região do Cerrado. Lemainski salientou aspectos fundamentais a respeito da segurança de produtos contendo esse gene HB4. O primeiro é que ele está presente no girassol desde o início do consumo dessa planta por seres humanos e animais, sem que nunca houvesse sido relatado um problema de saúde associado. Outra coisa é que “não são encontradas proteínas ou metabólicos que não aqueles naturalmente existentes nas variedades não transgênicas”, garantiu. O chefe da EmbrapaTrigo estimou que vai levar entre três e cinco anos para produzir resultados no ambiente brasileiro.
Preocupação
Para o agrônomo Leonardo Melgarejo, integrante do Grupo de Trabalho Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (GT ANA), a aprovação do plantio de trigo transgênico no Brasil pela CTNBio não observou as normas em vigor, que sinalizam a necessidade de realização de audiência pública prévia. A segunda questão é que, pela primeira vez, a aprovação coloca para consumo humano um produto geneticamente modificado que vai ter cargas de um herbicida (glufosinato de amônio) “extremamente tóxico, a ponto de causar aberração de um processo de divisão celular. Isso é o que pode haver de mais grave, sob o ponto de vista de desenvolvimento dos organismos, porque a divisão celular é a base da formação de todos os órgãos, de todo o processo metabólico”, observou Melgarejo.
Ele disse que além de problema no processo reprodutivo, o herbicida causa impacto no sistema nervoso central. “Significa que todos os consumidores estarão ameaçados”. Acrescentou que o trigo transgênico contendo esse herbicida estará presente nas três refeições diárias dos brasileiros. “Esse veneno já é proibido na União Europeia desde 2019”. Traz impactos também à saúde animal e ao meio ambiente, disse o agrônomo. “Esse veneno estará disponível para as pessoas em quantidade crescente e vai parar nos depósitos de água, à medida que o problema da seca avança”.
Melgarejo informou que estudos na Argentina mostram que, nas áreas onde esse trigo transgênico foi cultivado, ele não apresentou a mesma resposta dos testes em laboratórios, “onde é apelidado como resistente à seca”. Para ele, isso reafirma que são necessários mais estudos de realidades e ecossistemas diferentes do Brasil, para verificar se essa expectativa otimista de um gene resistente à seca funciona no mundo real.
Leonardo Melgarejo foi, durante, seis anos, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio. Disse que, eventualmente, a comissão toma decisões por maioria, sem levar em consideração argumentos apresentados por membros da minoria. Disse também que a aprovação do plantio do trigo transgênico foi decidida por pessoas indicadas por ministro do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Isso é relevante”.
Edição: Graça Adjuto