Desde que cabras da região da Abissínia, atual Etiópia, comeram os frutos amarelo-avermelhados de uma planta até então desconhecida, o café vem conquistando as civilizações e ganhando preparos diversos de forma a atender os mais diferentes gostos. No Brasil, o consumo do café quente é o maior do mundo. Se considerada também a versão extraída a frio, o chamado cold brew, o país ocupa a segunda posição, precedido pelos Estados Unidos. Já a liderança na produção e exportação, essas são imbatíveis, e o Brasil responde por cerca de um terço da produção mundial de café.
O ano era 800, quando as propriedades estimulantes do café, seja pelo consumo direto do fruto ou pela infusão em água, foram observadas pelas primeiras vezes. Por volta do século XV, então, a espécie chegara ao Norte da África e entrara no mundo árabe. Como os maiores produtores de café à época, os árabes tomaram medidas para manter o domínio da comercialização do produto como, por exemplo, vendê-lo apenas torrado.
Mas as barreiras protetivas foram quebradas por holandeses que conseguiram contrabandear os frutos frescos para as suas colônias asiáticas (Java, Ceilão e Sumatra) e, depois, para as Antilhas Holandesas, na América Central. Na Europa, inicialmente, o café era consumido como remédio para combater vários males e, só a partir do século XVII, começou a ser adotado como bebida.
Do velho continente para a América do Sul, o café chegou às colônias europeias. Militares holandeses levaram mudas para o Suriname e, depois, a França para o seu território da Guiana Francesa. Conta-se, inclusive, que as primeiras plantas brasileiras tiveram como origem o Palácio de Versailles.
Teria sido da seguinte forma: depois de plantadas por Luis XIV em Paris, as mudas de café foram levadas para território guianês pelo governo francês. Quando em visita ao país vizinho, o brasileiro Sargento-Mor Francisco e Mello, sob pretexto de resolver litígios territoriais, trouxe as primeiras mudas e sementes de café para Belém, no Pará, por volta do ano de 1720.
Devido às circunstâncias climáticas, de relevo e solo, em meados do século XIX a cultura cafeeira se estabeleceu mais fortemente no Vale do Rio Paraíba, nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, iniciando um novo ciclo econômico no Brasil. Com a inserção da produção no mercado internacional, o café se tornou o principal produto das exportações brasileiras, sendo por quase um século a principal riqueza nacional. Suas divisas fomentaram o desenvolvimento do país, com criação de cidades e ampliação de outros centros urbanos no interior do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais e do Paraná. Em 1850, o Brasil já era o maior produtor mundial com 40% da produção total. A cidade de Vassouras, no Rio de Janeiro, era considerada capital do café do mundo.
Por mais de 150 anos, o status brasileiro de maior produtor de café do mundo se mantém. Em volume total, dados do Sumário Executivo do Café registram 47,7 milhões de sacas beneficiadas de café na safra 2020/21. Para o período produtivo de 2021/22, a previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de 55,7 milhões de sacas de 60kg cada. Isso significa um aumento de 16,8% em relação ao período anterior em decorrência, principalmente, da bienalidade do café arábica – fenômeno fisiológico do cafeeiro que alterna maior produção numa safra com menor na seguinte.
O café arábica (Coffea arabica L.) permite ao consumidor degustar um produto mais fino, requintado e de melhor qualidade. Esse tipo de café é cultivado em altitudes acima de 800 metros. Predomina nas lavouras de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Bahia, Rio de Janeiro e em parte do Espírito Santo.
O café robusta ou conilon (Coffea Canephora) é usado principalmente para a fabricação de cafés solúveis e em algumas misturas com o arábica. Apresenta um sabor único, menos acidez e teor de cafeína maior. Predomina nas lavouras do Espírito Santo, em Rondônia e em parte da Bahia e de Minas Gerais.
Do café commodity ao café especial
O bom desempenho das lavouras encontra um mercado, cada vez mais exigente. Pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), o consumo interno de café no país registrou crescimento em 2021. Foram 21,5 milhões de sacas consumidas entre novembro de 2020 e outubro de 2021, alta de 1,71% em relação ao período anterior (de novembro de 2019 a outubro de 2020). Esse volume representa 45,3% da safra daquele ano.
Se considerarmos uma base mais ampla, de 1997 a 2021, o consumo interno brasileiro passou de 11,5 milhões de sacas para 21 milhões de sacas, conforme o Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café e que reúne 50 instituições de ensino, pesquisa e extensão rural para fomentar a pesquisa cafeeira no país.
Vale ressaltar que o Brasil é o maior consumidor dos cafés nacionais. Quando analisado o consumo per capita, observa-se que, em 2021, o brasileiro consumiu 6,06 kg de café cru por ano e 4,84 kg de café torrado.
O diretor de Comercialização e Abastecimento do Mapa, Sílvio Farnese, avalia que o mercado consumidor, tanto brasileiro quanto internacional, apresenta ainda perspectiva de crescimento, influenciado pelos cafés especiais e pelo advento dos cafés em cápsula.
“Nos anos 1990, começou esse movimento de que era importante fazer café com essa agregação de valor porque o mercado ficou exigente. Apesar de o café tradicional, passado no coador ser o método mais tradicional de consumo, as cápsulas e até a porção individual estão ganhando mercado pela sua praticidade”, explica.
De 15% a 16% do café exportado atualmente pelo Brasil já é uma bebida especial. Para além da melhor qualidade, aroma e sabor diferenciados, há ainda uma valorização exponencial na comercialização do produto. Histórico recente do mercado registra que uma saca de café especial, com 60 quilos, chegou a ser vendida por um valor 1.300% mais caro do que uma saca de café commodity, que gira em torno de R$ 1.200.
Café sustentável
O Brasil possui aproximadamente 300 mil estabelecimentos produtores de café distribuídos ao longo de 17 estados, dos quais 70% são considerados da agricultura familiar. Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, São Paulo e Rondônia são os maiores estados produtores.
“Então socialmente, o café tem um papel muito forte. Nos estados que mais produzem, como em Minas Gerais, a gente vê isso muito claro. Quando chega o período da colheita do café, a cidade está bem de vida, os supermercados estão cheios, pois gera dinheiro, o que não ocorre com nenhuma outra cultura. E além disso, temos a questão ambiental muito forte no Brasil, que não tem em nenhum outro país do mundo, conseguindo cumprir todas as exigências legais, ambientais e trabalhistas de forma integrada”, destacou Farnese.
A atividade cafeeira é desenvolvida com base em rígidas legislações trabalhistas e ambientais, que prevêem preservação de florestas e fauna nativa, controle da erosão e proteção das fontes de água. A busca do equilíbrio ambiental entre flora, fauna e o café é uma constante e assegura a preservação de uma das maiores biodiversidades do mundo. As leis trabalhistas e ambientais brasileiras estão entre as mais rigorosas entre os países produtores de café.
Como critério de sustentabilidade, ainda foi observado desde 1997 o aumento da produtividade em uma área ainda menor, reforçando o efeito poupa-terra. O Consórcio Pesquisa Café registra que, no fim dos anos 1990, área produtiva era de 2,4 milhões de hectares e a produção de 18,9 milhões de sacas de 60 kg, com produtividade de 8,0 sacas/hectare. Passados 25 anos, houve redução da área para 1,82 milhão de hectares, e o País deve produzir 55,7 milhões de sacas de 60kg em 2022, com produtividade de 31 sacas/ha.
“O mundo está cada vez mais exigente com as questões ambientais. O trabalho se dá agora com a rastreabilidade do café, desde o plantio, como ele é feito, quais insumos são utilizados, até chegar na mesa do consumidor. Isso tudo permitindo que o mercado produtor acesse os selos de compliance”, destaca o diretor de Comercialização e Abastecimento. Ele ainda complementa que a produção e comercialização nacionais são aderentes às certificações de sustentabilidade e de comércio justo.
Essa acreditação mundial da produção nacional se destaca como oportunidade para fortalecer relações comerciais e abrir mais mercados para a exportação do café, que já tem os Estados Unidos e a Europa como os principais destinos. O produto é o 5º na pauta de exportação brasileira, tendo movimentado US$ 6,4 bilhões em 2021, o que representou 8,28% de participação dentre os produtos nacionais exportados.
Até 2030 a projeção é de que a demanda mundial de café no período tenha um crescimento médio anual próximo de 2%, o que elevará as atuais 169 milhões de sacas para aproximadamente 209 milhões (ponto médio da projeção), de acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).