O músico Evaldo Rosa, de 51 anos, foi fuzilado e morto pelo Exército, em 7 de abril de 2019, em meio à uma ocupação militar na favela do Muquiço, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio. A ocupação acontecia na comunidade sem que tivesse a autorização da presidência da República como prevê a Constituição.
Para promotores do Ministério Público Militar, a ação é considerada ilegal. A notícia da chamada “Operação Muquiço” foi publicada nesta quarta-feira (29) pela Agência Pública.
O carro da família de Evaldo foi atingido por 62 disparos. Os tiros atingiram ainda o catador de recicláveis Luciano Macedo, de 27 anos, que tentou socorrer Evaldo mas morreu 11 dias depois no hospital. Doze militares respondem, em liberdade, por homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificada e omissão de socorro..
Entre os meses de fevereiro e junho de 2019, o Exército ocupou a favela do Muquiço. O motivo: traficantes do local invadiram, em 7 de fevereiro, os apartamentos onde vivem famílias de militares e que são chamados de Próprios Nacionais Residenciais (PNR). Cinco dias depois, a operação foi autorizada pela comando do Exército no Rio de Janeiro.
Os criminosos, segundo as informações, eram comandados por Bruno da Silva Loureiro, conhecido como Coronel. O criminoso está foragido.
A ação militar teve início, em fevereiro, dois meses após o fim da intervenção no Rio de Janeiro, concluída em 31 de dezembro de 2018. De acordo com a Constituição, para exercer o poder de polícia e patrulhar as ruas é preciso que o presidente da República autorize o emprego do Exército através da chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO). E isso não ocorreu.
Em depoimentos na Justiça Militar, os militares envolvidos na ação sempre disseram que atiraram para impedir um assalto na Estrada do Camboatá e não relataram a “Operação Muquiço”.
O tenente Ítalo Nunes, comandante da tropa na ocasião, disse em depoimento que, naquela ocasião, os militares haviam sido atacados durante toda a manhã por traficantes da Favela do Muquiço e que a tropa estava “meio assustada”.
No processo na Justiça Militar, a defesa dos militares diz que não dá para separar a morte de Evaldo e Luciano do confronto pela manhã com os traficantes.
O general William Georges Felippe Abrahão, então comandante da 1ª Divisão do Exército, justificou a ação informando à Justiça Militar que a invasão dos prédios pelos traficantes representava “ausência do Estado naquela área conflagrada” e que as medidas pretendiam resguardar a “integridade das famílias militares que residem o PNR de Guadalupe”.
O general argumentou que o prédio se encontra dentro do raio de atuação sob administração do Exército e informou que a intenção foi “resguardar a família militar e o patrimônio militar”.
Um parecer da Advocacia Geral da União (AGU), de 5 de junho de 2019, respalda o argumento do general de que a área está sob administração militar mas informa que “prover segurança pública não constitui atribuição própria das Forças Armadas e de que a melhor maneira de pacificar a questão seria uma lei ou decreto do Executivo sobre o tema”.
Na ordem de operação estava previsto apenas que os militares usassem armas não letais. Armas letais deveriam ser usadas apenas em defesa própria e de terceiros.
Nos documentos, o MPM apontou como ilegal a ida dos militares ao Muquiço. As promotoras Najla Nassif e Andrea Blumm Ferreira questionaram a ação e encaminharam à Procuradoria Militar um pedido de investigação do general que planejou a Operação Muquiço.
O pedido foi arquivado pela Procuradoria Geral da Justiça Militar. Mesmo após a morte de Evaldo e de Luciano, a operação permaneceu por mais dois meses. Os militares continuaram a atuar na região, mas sem realizar incursões na favela.
O Comando Militar do Leste informou em nota que “não comenta quaisquer aspectos relacionados, diretamente ou indiretamente, a processos em curso da Justiça Militar da União”.
O Ministério Público Militar informou que não se pronunciará sobre o assunto.