Profissionais de diferentes áreas vêm tendo de lidar, direta ou indiretamente, com a pandemia do novo coronavírus e suas consequências. Entre esses profissionais estão os responsáveis pelos sepultamentos, conhecidos como coveiros, que viram a rotina de trabalho mudar em alguns aspectos devido aos novos procedimentos adotados como medidas de segurança.
A reportagem conversou com dois desses profissionais no Alto Tietê, região que havia registrado 38 mortes por Covid-19 até esta terça-feira (21). Eles relataram quais foram as principais mudanças que ocorreram nos cemitérios, como os sepultamentos mais rápidos, além do sentimento de se trabalhar em um período como esse, principalmente quando se trata do sepultamento de uma vítima com confirmação ou suspeita de coronavírus.
“O caixão vem lacrado. A família se mantém um pouco afastada, com máscara, olhando de longe, porque também fica preocupada. Nós percebemos o olhar de tristeza da família. Fiquei até com um pouco de dó vendo aquilo, o ente querido sendo enterrado sem que a família pudesse ter contato. É triste, mas nós entendemos que tem que ser assim. E nós, como coveiros e funcionários do cemitério, não podemos nos deixar abater por isso e mostrar para a família que estamos abalados. O trabalho tem que seguir”, conta Eugênio Ribeiro Sérgio, de Mogi das Cruzes, cidade com 13 óbitos por Covid-19 confirmados até a última sexta.
Eugênio tem 59 anos e trabalha no Cemitério da Saudade, um dos dois cemitérios municipais de Mogi que já receberam vítimas do novo coronavírus. Ele realiza sepultamentos há cerca de dez anos e, embora acostumado ao trabalho por conta do período em que exerce a função, vive agora uma situação nova, com a pandemia exigindo novos procedimentos e provocando sentimentos diferentes nesses trabalhadores.
A tristeza ainda maior na despedida por causa da ausência de velórios e dos sepultamentos rápidos, aliás, foi relatada pelas próprias famílias de vítimas do novo coronavírus em Mogi das Cruzes, como ocorreu com Durvalino da Silva, de 69 anos, que foi a primeira pessoa a morrer com a confirmação da doença na cidade, e com Maria Luiza Augusta, de 77 anos, que faleceu vítima de Covid-19 no início de abril.
No cemitério onde trabalha, Eugênio conta que uma das principais mudanças foi o fechamento de uma capela onde ocorria uma última homenagem antes do sepultamento, justamente para que os familiares não permaneçam em um ambiente fechado.
De acordo com a Prefeitura de Mogi, a orientação nos cemitérios é para que o sepultamento seja imediato em casos de Covid-19 e para que aglomerações sejam evitadas. A cidade antecipou a abertura de covas, que seria feita ao longo do ano, por causa da pandemia. Já forma abertos 600 novos túmulos.
“Para nós muda porque nós também nos preocupamos com a proteção. Usamos máscara, luvas. Procuramos manter o mínimo contato possível, até com a família, porque em alguns casos a própria família não sabe se está contaminada. Depois, claro, nós lavamos as mãos, passamos álcool em gel. Estamos sempre fazendo a higienização”.
Além de Eugênio, a reportagem também conversou com Erasmo da Silva, que tem 41 anos e trabalha com sepultamento no Cemitério Morada da Paz, em Itaquaquecetuba, cidade que registrou três mortes pelo novo coronavírus até esta terça-feira. Erasmo conta que, no local, as mudanças foram semelhantes às de outros cemitérios: sepultamentos rápidos, pouco contato com os familiares e cuidados com o uso de equipamentos e a higienização.
“Acho que em todo cemitério o padrão é o mesmo. Antes passava pela capela, abria para a família ver, mas agora o sepultamento ocorre direto, com o caixão bem lacrado. Algumas famílias pedem para abrir, mas, como é norma do cemitério, não pode. Tem família que não compreende e quer ver de qualquer maneira por se tratar de um ente querido, mas nós explicamos direitinho que não pode. Quanto mais explicar, melhor. Temos que sepultar o mais rápido possível”, diz Erasmo.
Além das mudanças na rotina e do sentimento em relação aos familiares, a situação provocada pelo novo coronavírus também gera alguma preocupação nesses profissionais que têm seus trabalhos diretamente ligados a vítimas da doença. Porém, eles dizem que isso é algo em que, na medida do possível, procuram não pensar.
“Preocupação todo mundo tem, mas eu tento não ficar pensando nisso, porque senão a gente não trabalha. Tento ficar o mais tranquilo possível e também passar tranquilidade para os outros”, admite Erasmo.
“Eu não tenho medo, não. Nós nos preocupamos com a situação, mas outra coisa é ter medo. E com medo ou sem medo, temos que fazer o sepultamento. Temos que enfrentar o problema e fazer com que as coisas aconteçam. Claro que vamos nos preocupar de nos proteger, ter certos cuidados, mas medo de encarar a situação eu não tenho”, relata Eugênio.