Uma das principais obras de Dom Francisco de Aquino Corrêa, o Hino de Mato Grosso, só foi reconhecido oficialmente por meio de decreto estadual, em 1983, a partir da avaliação por uma comissão criada para estudar possíveis mudanças na sua letra. A polêmica avaliação envolveu a citação de municípios que não pertenciam mais a Mato Grosso após a divisão do Estado, em 1977.
O Estado comemora seus 271 anos nesta quinta-feira (09). Mas os municípios como Dourados e Corumbá, localizados em Mato Grosso do Sul, compõem o arranjo do Hino do Estado, que na época suscitaram muita discussão. Apesar disso, a comissão optou por manter a letra original e preservar a história local. “Dos teus bravos a glória se expande, de Dourados até Corumbá”, canta a letra até os dias atuais.
A interpretação dada pela comissão é de que o trecho ressalta a bravura do de Antônio João Ribeiro, que comandou a colônia Militar de Dourados, e dá destaque para Antônio Maria de Coelho pela bravura na retomada de Corumbá na guerra do Paraguai, e que ocupou o cargo de primeiro governador de Mato Grosso já na fase Republicana.
“Mas o heroísmo dessas figuras não diz respeito apenas a Mato Grosso, e sim ao Brasil, nas circunstâncias por que passava a soberania nacional”, relata parte do relatório da Comissão que institucionalizou o Hino de Mato Grosso. O relatório completo da Comissão nomeada pelo então governador Júlio José de Campos faz parte do acervo da Superintendência de Arquivo Público de Mato Grosso.
Primeira apresentação pública
Na apresentação do Hino de Mato Grosso, a população estava em festa no bicentenário da Capital e do Estado, comemorados em 1919 em uma única data, 8 de abril. O historiador Mestre em História Política do Brasil, Lauro Portela, conta que naquele momento histórico os organizadores da festividade entendiam como interessante a unificação da data.
O que se pretendia com a comemoração era celebrar a fundação da conquista do território que deu origem a Mato Grosso. Para isso, consideraram o primeiro registro que comprovaria a criação dos primeiros povoados: a certidão que noticiara o achado aurífero do Coxipó.
“O termo que serviu para noticiar a descoberta de ouro de 1719, no Coxipó, se tornou posteriormente a certidão de nascimento de Cuiabá”, explica o historiador sobre a data de 8 de abril, em que se comemora atualmente o aniversário da Capital. Este registro é citado por um cronista chamado José Barbosa de Sá, mas o documento original nunca foi encontrado.
Atualmente se considera a criação da Capitania de Mato Grosso, datada de 1748, com a nomeação do primeiro Capitão-general pela Coroa Portuguesa, Antônio Rolim de Moura.
O contexto da comemoração do bicentenário era importante para Dom Aquino por conta de outros aspectos, como a comemoração do Jubileu de Prata dos salesianos, ou seja, 25 anos da vinda dos religiosos para a região; a construção do santuário de Nossa Senhora Auxiliadora, que seria inaugurado mais tarde, em 1929, acontecia na Capital; e o centenário da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital São João dos Lázaros.
“A oficialização do hino representa um resgate da memória e das características que o povo da época se vangloriava, como a produção da pecuária pantaneira e os heróis locais. O pantanal é um fator unificador do que é ser mato-grossense” cita.
Portela ressalta o papel do pantanal para a cultura, pois é o local onde o gado passou a ser extensivamente criado. Na década de 1910, o gado e seu derivado passam a ser o principal produto na pauta de exportações do Estado, por isso, é citado juntamente com a seringueira como as duas grandes riquezas de Mato Grosso.
Ele conta ainda que historicamente há um laço com as cidades citadas na música, mesmo as que não pertençam mais ao território oficial. “Há laços culturais, familiares, e relações que fazem parte da identidade do povo e da origem de sua riqueza. A cultura sem dúvidas ainda une os dois Estados”.
Fizeram parte da comissão que analisou o Hino em 1982 e 1983: Adauto Dias de Alencar, Pedro Rocha Jucá, Arquimedes Pereira Lima, Marília Beatriz de Figueiredo, e Lidio Modesto.
Sacerdote, poeta e político
Dom Francisco de Aquino Corrêa foi uma figura pública com grandes contribuições para Mato Grosso. Nasceu em Cuiabá em 2 de abril de 1885, e durante sua trajetória se tornou Arcebispo de Cuiabá.
Não só foi o compositor do Hino de Mato Grosso, como oficializou o Brasão de Armas do Estado de Mato Grosso, em 1918 – inspirado no brasão de Cuiabá, datado de 1727 – quando foi eleito o governador de Mato Grosso (1918-1922). Faleceu em São Paulo (SP), em 22 de março de 1956.
Ente seus feitos estão ser o primeiro mato-grossense a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, e a inciativa de fundar a Academia Mato-grossense de Letras (AML), tornando-se presidente de honra da Instituição. Criou também o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, do qual foi eleito presidente Perpétuo. O arcebispo publicou ainda livros de versos como Odes e Terra natal, com poemas sobre Mato Grosso e o Brasil.
Hino de Mato Grosso
Nos relatórios da Comissão vários trechos revelam o significado da letra do Hino. O termo “qual novo colosso”, presente na primeira estrofe faz uma comparação entre Mato Grosso e o Colosso de Rodes, uma das sete maravilhas do mundo antigo, e que já não existe mais.
Há ainda uma referência ao pássaro Fênix, que segundo a mitologia, é queimado e ressurge das cinzas. A parte “teu progresso imortal como a Fênix” representa o Estado que, mesmo passando por dificuldades, renascia sempre para o progresso. A alusão está presente também nos brasões de Cuiabá, e de Mato Grosso.
Veja abaixo a letra do Hino de Mato Grosso:
Limitando, qual novo colosso,
O Ocidente do imenso Brasil,
Eis aqui, sempre em flor, Mato Grosso,
Nosso berço glorioso e gentil!
Eis a terra das minas faiscantes,
Eldorado como outros não há,
Que o valor de imortais bandeirantes
Conquistou ao feroz Paiaguá!
Salve, terra de amor,
Terra de ouro,
Que sonhara Moreira Cabral!
Chova o céu
Dos seus dons o tesouro
Sobre ti, bela terra natal!
Terra noiva do Sol, linda terra
A quem lá, do teu céu todo azul,
Beija, ardente, o astro louro na serra,
E abençoa o Cruzeiros do Sul!
No teu verde planalto escampado,
E nos teus pantanais como o mar,
Vive, solto, aos milhões, o teu gado,
Em mimosas pastagens sem par!
Salve, terra de amor,
Terra de ouro,
Que sonhara Moreira Cabral!
Chova o céu
Dos seus dons o tesouro
Sobre ti, bela terra natal!
Hévea fina, erva-mate preciosa,
Palmas mil são teus ricos florões;
E da fauna e da flora o índio goza
A opulência em teus virgens sertões!
O diamante sorri nas grupiaras
Dos teus rios que jorram, a flux.
A hulha branca das águas tão claras,
Em cascatas de força e de luz!
Salve, terra de amor,
Terra de ouro,
Que sonhara Moreira Cabral!
Chova o céu
Dos seus dons o tesouro
Sobre ti, bela terra natal!
Dos teus bravos a glória se expande
De Dourados até Corumbá;
O ouro deu-te renome tão grande,
Porém mais nosso amor te dará!
Ouve, pois, nossas juras solenes
De fazermos, em paz e união,
Teu progresso imortal como a fênix
Que ainda timbra o teu nobre brasão!
Salve, terra de amor,
Terra de ouro,
Que sonhara Moreira Cabral!
Chova o céu
Dos seus dons o tesouro
Sobre ti, bela terra natal!
(Fonte: Decreto n. 38, de 03 de maio de 1983)