O alho é a mais nova hortaliça contemplada pelo Programa Nacional de Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc). Essa ferramenta estabelece regiões de produção e épocas de plantio mais desenvolvidas para o cultivo no território brasileiro, com base nas probabilidades ou risco de perda de produção causado por eventos meteorológicos adversos.
O zoneamento funciona como um instrumento de gestão de risco climático e, no caso do alho, abrange as regiões tropicais e subtropicais do País, com o objetivo de orientar produtores, agentes financeiros e supervisores. A implantação da mão de obra fora dos períodos indicados está sujeita a elevada probabilidade de perdas.
As portarias foram publicadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), no Diário Oficial da União (DOU) no dia 25 de novembro de 2025. Os estudos foram elaborados por pesquisadores da Embrapa Hortaliças (DF), em conjunto com associações de produtores e instituições de ensino e de pesquisa agropecuária. Os links para as portarias do Zarc do alho nobre (região subtropical de cultivo) e (região tropical de cultivo) estão disponíveis na página oficial do programa.
O objetivo do zoneamento para a cultura do alho foi identificar as áreas de menor risco climático e definir os melhores períodos de plantio no Brasil, reduzindo perdas de produção e obtendo melhores rendimentos. O pesquisador Marcos Braga , responsável técnico pelos estudos, assinalou que o Zarc avalia exclusivamente riscos agroclimáticos, portanto, parte-se do pressuposto de que todas as outras necessidades da cultura serão atendidas com um manejo agronômico adequado.
Olho em climas tropicais e subtropicais
Os estudos consideram cultivares de alho nobre, que representam a maior parte da produção nacional que chega aos mercados, pois alcançam maior valor comercial e atendem melhor à exigência do consumidor em termos de qualidade de bulbo. A opinião do pesquisador Francisco Vilela , membro da equipe Zarc Alho, a subdivisão do zoneamento em duas regiões, em função do clima tropical ou subtropical, é o aspecto mais relevante porque, apesar das variedades serem as mesmas, as épocas de plantio e os sistemas de produção apresentam diferenças.
No Zarc, as cultivares de alho foram clássicas em dois grupos para cultivo em região com clima tropical e em três grupos em regiões subtropicais, conforme a época de plantio e a duração média do ciclo da cultura e das fases de interesse para avaliação de riscos. “No cultivo do alho é fundamental utilizar somente cultivares testadas e recomendadas para cada local e época, baseando-se sempre na orientação técnica de assistência técnica e extensão rural e de empresas habilitadas na área”, recomenda Braga.
Principais riscos climáticos para o alho
Como o alho é uma espécie originária do continente asiático, em regiões de clima frio, para a cultura ter um bom desenvolvimento e alta produtividade nas condições brasileiras são permitidas algumas condições ideais de temperatura e fotoperíodo – referentes ao número de horas de luz por dia.
As cultivares de alho nobre são originárias do sul do Brasil e exigem mais de 13 horas diárias de luz e temperaturas médias diárias mais baixas, entre 13 e 18ºC, para formação de bulbos graúdos e com valor comercial. Cultivares mais precoces respondem ao estímulo de dias mais curtos, enquanto materiais tardios, como os alhos nobres, dependem de dias mais longos para conseguir formar bulbos. “Quando o número de horas de luz fica abaixo do mínimo exigido pela cultivar ocorre somente o crescimento vegetativo da planta”, explica Braga.
Em relação à temperatura, o alho exige temperaturas amenas (18º a 20ºC) na fase inicial do ciclo, temperaturas mais baixas (10º a 15ºC) durante as fases vegetativa e de bulbificação, e temperaturas mais elevadas (20º a 25ºC) no período de maturação. Segundo o pesquisador, o acúmulo de horas de frio é fundamental para a resposta do alho ao fotoperíodo, resultando em boa formação dos bulbos e produtividade do trabalho.
Assim, em condições subtropicais, a temperatura média deve ser inferior a 14ºC e a temperatura máxima não pode ultrapassar 31ºC no período que se estende do plantio até o início da bulbificação das plantas. Já em condições tropicais, por exemplo, o Zarc determinou que a temperatura média não pode ser superior a 12ºC nem a máxima acima de 32ºC.
Outro exemplo de análise realizada no zoneamento que difere em função das regiões de cultivo é a altitude, a qual afeta a produção de alho nobre em produtividade e qualidade. Em regiões subtropicais, a altitude mínima para estabelecer os cultivos deve ser superior a 600 metros, enquanto em locais tropicais tem que ser superior a 750 metros.
A prática da vernalização
É indispensável que o alho nobre passe pelo processo de vernalização, tratamento de frio do alho-semente pré-plantio, antes da implantação da lavoura para garantir uma boa produção independentemente das condições climáticas futuras. O pesquisador Francisco Vilela explica que a vernalização dos bulbos é capaz de tornar uma planta menos exigente em fotoperíodo e em temperaturas baixas, permitindo a formação de bulbos em locais que não possuem as condições climáticas adequadas para determinada cultivar.
“O processo de vernalização do alho-semente em câmara frigorífica ocorre em faixas de temperaturas positivas entre 3ºC a 5ºC ou negativas entre -1 a -3ºC e umidade relativa do ar de 65 a 70%, dependendo do sistema de produção adotado e níveis de produtividade almejados pelo produtor. Essa técnica permitiu ampliar as regiões e as épocas de plantio das cultivares de alho nobre, restritas ao Sul do Brasil”, esclarece o pesquisador. Ele conta que hoje as cultivares de alho nobre foram plantadas, com vernalização, desde o centro-norte do Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e regiões de altitude do norte da Bahia e da Chapada Diamantina.
Vilela pontua ainda que a vernalização do alho-semente antes do plantio é uma exigência nas áreas de clima tropical. Já nas regiões subtropicais, como o Sul do País, a prática pode ser dispensável, muito embora tenha sido feita por segurança em função das mudanças climáticas. “Essas variações das formas de produção do alho são peculiares do Brasil. Em outros países, o processo é muito mais homogêneo”, observa o pesquisador.
Disponibilidade de água
Com um sistema radicular superficial, o alho é uma planta bastante sensível à falta de água. Contudo, a transparência em excesso também pode prejudicar a produtividade e a qualidade dessa hortaliça, notadamente em solos com problemas de drenagem. Assim, irrigar no momento correto e na quantidade adequada é decisivo para a obtenção de altas produtividades e qualidade do produto.
Em relação à necessidade hídrica da cultura, estima-se que varie de 400 a 850 milímetros (mm), dependendo das condições climáticas e do ciclo de produção. Isso implica na demanda de 300 a 1.000 litros de água para que se produza um quilograma de alho. Portanto, como se trata de uma cultura muito exigente em água durante o seu ciclo produtivo, os cultivos comerciais são irrigados, principalmente com sistemas por aspersão, sejam convencionais ou mecanizados.
“Mesmo nas regiões subtropicais do País, alguns poucos locais suportariam o cultivo dependente de chuvas, porém com baixa janela de plantio e alto grau de risco de perdas. Assim, para todo o Brasil, foi considerado somente o cultivo do alho em sistema de produção irrigado”, assinala Braga.
Cultivo de alho no Brasil
Até a década de 1990, o cultivo do alho no Brasil era pouco desenvolvido e com baixa especialização para o mercado, voltado mais para consumo próprio ou para vendas em feiras urbanas, com baixa produtividade e qualidade. A pesquisa agrícola e o uso de tecnologias relacionadas, como o “alho-semente livre de vírus”, permitiu ao país contar com produtores especializados que atendem cerca de 70% da demanda de consumo nacional.
A produção nacional hoje é de 173 mil toneladas, com uma produtividade média de 13 toneladas por hectare (t/ha), sendo que os estados de Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia e Distrito Federal alcançaram 94% dessa produção.
O pesquisador Francisco Vilela chama a atenção para o alho comum produzido na agricultura familiar que não está enquadrado no zoneamento, pois a produção é pouco representativa no volume nacional, embora com um número significativo de famílias dependendo desse tipo de cultivo. “Nesses casos, as instituições de pesquisa e assistência técnica continuarão emitindo notas técnicas quando a produção familiar necessitar de crédito agrícola”, elucida.
Outros riscos associados ao alho
O cultivo do alho em áreas onde já foi identificada a ocorrência de podridão branco (Stromatinia cepivora Berk. sin. Sclerotium cepivorum) é considerado de alto risco. “Esse fungo pode causar danos em todas as fases de crescimento da planta e seu desenvolvimento é favorecido por temperaturas de 10 a 20°C”, explica Braga. Ele enfatiza que o patógeno pode sobreviver por longos períodos de tempo no solo e que não há medidas eficazes para o controle da doença. Ou seja, a sua ocorrência em locais de cultivo pode inviabilizar a produção do alho.
Consulta ao Zarc
O zoneamento agrícola de risco climático contempla: coleta de dados fitotécnicos da cultura em diversos sistemas de cultivo, dados climáticos e de solos, modelagem, processamento e validação dos dados, sendo necessária uma equipe multidisciplinar para embasar o resultado.
Os dados de plantio estipulados para o cultivo de alho nobre no Zarc devem ser seguidos pelos produtores que desejam acessar o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária ( Proagro ) e o Programa de Subvenção ao Seguro Rural ( PSR ). “A função do zoneamento não é colocar entraves aos produtores, mas sim oferecer a eles a garantia de obtenção do valor seguro”, analisa Braga.
Os resultados do Zarc do alho foram disponibilizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Painel de Indicadores , nas portarias por estado e no aplicativo Zarc Plantio Certo (Android e IOS).
Parcerias
O desenvolvimento do Zarc do alho contorno com uma equipe multidisciplinar formada por especialistas da Embrapa Hortaliças, Embrapa Agricultura Digital (SP), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia ( UESB ) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri ). Também participaram técnicos e representantes da Associação Nacional dos Produtores de Alho ( Anapa ), da Associação Gaúcha de Produtores de Alho ( Agapa ), da Associação Mineira dos Produtores de Alho ( Amipa ) e da Wehrmann Agrícola .
A próxima hortaliça no Zarc
Embora o zoneamento tenha sido consolidado há mais de duas décadas para culturas como milho e soja, o trabalho com hortaliças é mais recente, em função da complexidade dos diferentes sistemas de produção utilizados. “A agricultura é uma atividade econômica que depende muito do clima. Além disso, hortaliças são suscetíveis a condições climáticas adversas que, por exemplo, geram um patamar de perdas maior do que em grãos”, contextualiza o pesquisador.
“O zoneamento é dinâmico e pode ser revisto, por exemplo, devido a uma nova tecnologia disponibilizada para a cadeia produtiva em questão”, finaliza Braga.
De acordo com ele, a Embrapa Hortaliças colabora há três anos com o Mapa para a realização do Zarc de culturas pré-definidas pelo Ministério e que o próximo zoneamento previsto, no biênio de 2025/2026, é o do tomate para processamento industrial.




















