A 5ª Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1), por unanimidade, negou provimento a recursos em ação que pede o fechamento de traçado da BR-158 que se sobrepõe à Terra Indígena (TI) Maraiwatsédé, em Alto Boa Vista (1.059 km a Nordeste de Cuiabá).
A ação proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) pede à Justiça a suspensão do uso da via no prazo de um ano, após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa diária de R$ 50 mil em favor da comunidade indígena Xavante Maraiwatsédé.
A decisão do TRF-1 é do último dia 10.
A ação, ajuizada em julho de 2019, visa ainda a assegurar que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) se abstenha de emitir licença ambiental quanto ao trajeto que corta a respectiva terra indígena, além de apresentar o Plano Básico Ambiental.
O plano deve assegurar a adoção de medidas mitigatórias e compensatórias, decorrentes do uso do trecho que atravessa a reserva, entre outros.
A 5ª Turma seguiu o relator do caso, o desembargador federal Souza Prudente, e negou recursos interpostos pela União e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), mantendo assim sentença proferida em março de 2021 pela Justiça Federal em Barra do Garças (509 km a Leste da Capital), em atendimento parcial aos pedidos do MPF.
Em seu parecer, o procurador regional da República, Felício Pontes Jr., destacou que o Dnit, em suas razões recursais, reconheceu a existência de estrada, que não passa pela TI, mas que carece de manutenção.
O órgão ministerial sustenta que a omissão do governo quanto à recuperação da via alternativa altera os modos de vida dos indígenas, potencializa os impactos negativos, vulnerabiliza a proteção territorial e gera insegurança jurídica aos envolvidos.
DEVER CONSTITUCIONAL – No recurso, a União alegou não haver legitimidade para que seja alvo da ação do MPF, o que é rebatido pelo órgão ministerial.
“Trata-se de afetação direta à TI, o que faz da União protagonista nesta lide, já que é a legítima proprietária das terras indígenas”, observa o MPF.
Por sua vez, o Dnit se baseou no caso da TI Raposa Serra do Sol ao alegar o descumprimento das condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Os apelantes buscavam a aplicação de efeito vinculante ao julgado do STF.
No entanto, o MPF ponderou que a tese não se sustenta, uma vez que “na decisão proferida nos autos da ACO [Ação Cível Originária] nº 1100, datada de 20 de fevereiro de 2020, o ministro Edson Fachin, do STF, suspendeu todos os efeitos do Parecer n. 001/2017/AGU, que defendia o “efeito vinculante”.
No recurso, a autarquia responsável pela infraestrutura de transportes também defendeu a impossibilidade de o Judiciário analisar discricionariedade do ato administrativo e ofensa à separação dos poderes.
O MPF, no parecer, contra-argumentou ao esclarecer que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou sobre a possibilidade de fixação de prazo razoável para a implementação de políticas públicas pelo Judiciário.
“Portanto, o argumento não pode ser invocado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, principalmente quando da conduta omissiva ou negativa do Poder Público puder gerar nulificação ou aniquilação de direitos fundamentais”, alertou Felício Pontes Jr..
DISPUTA HISTÓRICA – A BR-158 possui extensão total de 3.961,4km.
Parte de Mato Grosso em direção à fronteira com o Uruguai.
Em seu traçado original, adentra na TI Marãiwatsédé, do povo xavante – autodenominado a’uwe.
O território da TI comporta mais de 165 mil hectares, nos municípios mato-grossenses de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia.
A TI Marãiwatsédé foi declarada de ocupação tradicional pelo Ministério da Justiça, em 1993, e homologada por decreto da Presidência da República, em dezembro de 1998.
Apesar do reconhecimento oficial, os xavantes só conseguiram a posse definitiva de sua terra em 2014, após mais de 40 anos de luta dos indígenas, removidos à força de seu território em 1966.
A remoção forçada foi resultado da associação entre órgãos do governo federal e fazendeiros durante a ditadura militar.
Cerca de 1/3 da população de mais de 263 indígenas morreram como resultado da remoção.
Ao longo dos anos, o território também foi objeto de disputas.
Entre os diversos invasores, figurou a empresa italiana Agip-Petroli, que alegava ser proprietária de um dos maiores latifúndios do Brasil, com 800 mil hectares sobrepostos à TI.
Com ajuda do bispo Dom Pedro Casaldáliga, o caso chegou Parlamento Italiano e a empresa se retirou da área.
Posteriormente, a TI também foi dividida em latifúndios até que, em 2007, o STF decidiu pela retirada dos invasores, o que levou tempo até se cumprir.
“Após tentativa de cooptação de indígenas, bloqueios de rodovias e transformação da área na terra indígena mais desmatada do Brasil, todos os não-índios são retirados em 2013”, trouxe o parecer.
Para o MPF, todo esse histórico de esforço pela preservação da terra indígena será em vão se o traçado da BR-158 adentrar a TI Maraiwatsédé.