A Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou nesta terça-feira (14) o relatório preliminar ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2023, enviado ao Congresso Nacional pelo Executivo. A proposta prevê déficit nas contas públicas de até R$ 65,91 bilhões e salário mínimo de R$ 1.294 para o ano que vem.
O PLDO (PLN 5/2022) dá origem à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), usada para elaborar o Orçamento anual da União. Neste ano o texto é relatado na CMO pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES). Essa versão preliminar do relatório está aberta para as emendas dos parlamentares até 23 de junho, e a votação do documento definitivo deve acontecer entre os dias 24 de junho e 7 de julho.
Para 2023, a expectativa do Executivo é de crescimento de 2,5% do produto interno bruto (PIB), mesmo percentual esperado para 2024 e 2025. O PIB expressa a soma das riquezas produzidas no país. Quanto à inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficaria em 3,3% no ano que vem, e a taxa Selic (taxa básica de juros definida pelo Banco Central) em 10%. Em abril, o IPCA acumulado em 12 meses estava em 12,13%, e a taxa Selic, em 12,75% ao ano.
As projeções oficiais são bem mais otimistas que as estimativas do mercado (Boletim Focus, do Banco Central), que preveem menor crescimento (0,76% em 2023 e 2% em 2024 e 2025) e maior inflação (IPCA de 4,39% em 2023; 3,2% em 2024; e 3% em 2025).
Os parâmetros econômicos — como a expectativa de inflação, o crescimento do PIB, o salário mínimo, as taxas de juros e de câmbio — são determinantes para o desempenho da arrecadação da União e balizam a maioria das projeções orçamentárias, tanto de receita quanto de despesa.
Salário mínimo
O valor do salário mínimo, de R$ 1.294, veio sem aumento real, corrigido apenas pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de 6,7% projetado para 2022. Mas o valor do salário mínimo no PLDO é mera estimativa, lembra a Consultoria de Orçamento do Congresso, sendo necessária uma lei específica para defini-lo.
Meta fiscal
Para o ano que vem, o total das receitas primárias será de R$ 2,2 trilhões. Em 2024, o governo terá arrecadado R$ 2,36 trilhões, e R$ 2,52 trilhões em 2025. Segundo os consultores, o resultado primário com déficit de R$ 65,91 bilhões previsto para 2023 equivalerá a 0,63% do PIB, menor que os R$ 66,9 bilhões (0,69% do PIB) projetados para 2022. Quanto às estatais federais, o prejuízo será de R$ 3 bilhões, desconsiderando os grupos Petrobras e Eletrobras.
Já a projeção para o resultado primário dos estados, do Distrito Federal e dos municípios é de um déficit de R$ 100 milhões. A estimativa para esses entes federados é apenas um indicador, não uma meta, porque o Executivo federal não tem ingerência sobre o orçamento deles.
O resultado primário é calculado somando todas as receitas e deduzindo todas as despesas, exceto os juros e encargos da dívida. Essa estimativa para o ano seguinte é chamada de meta fiscal.
De acordo com Marcos do Val, o Ministério da Economia espera uma recuperação bastante rápida do quadro fiscal, com a previsão de um pequeno superávit primário para o setor público em 2025, após 11 anos seguidos de resultados negativos.
Ainda assim, não haverá redução do endividamento, diz o senador. Depois de atingir 88,6% do PIB em 2020, a dívida bruta caiu um pouco em 2021, para 80,3% do PIB, e cairá mais em 2022, para 79,3%, mas voltará a crescer, indo a 79,6% do PIB no fim de 2023, e novamente a 80,3% nos dois anos seguintes. A dívida líquida, que chegou a 62,5% em 2020, recuou para 57,2% em 2021, mas voltará a subir, devendo representar 61,8% do PIB em 2023 e 65,4% do PIB em 2025.
Teto de gastos
O limite de gastos da União para 2023 é de R$ 1,79 trilhão, um aumento de R$ 108 bilhões em relação a 2022.
Nesse cálculo foram considerados uma estimativa de 6,55% para o IPCA acumulado no período de janeiro a dezembro de 2022 e o ajuste decorrente da diferença entre o IPCA previsto no Orçamento 2022 (10,18%) e o índice apurado após o encerramento de 2021 (10,06%), esclarece a Consultoria de Orçamento.
O teto para as despesas públicas foi estabelecido pela Emenda Constitucional 95, que limitou o crescimento dos gastos por 20 anos a partir de 2016. Até 2020, foi usado o IPCA acumulado no período de 12 meses, encerrado em junho do exercício anterior, para corrigir o teto. A partir de 2021, o reajuste passou a ser feito pela variação acumulada de janeiro a dezembro do ano anterior.
Regra de Ouro
A Constituição proíbe o governo de fazer dívidas para pagar salários, aposentadorias e gastos para manter a máquina pública funcionando. As únicas despesas que podem ser cobertas por operações de crédito são o pagamento de dívidas (refinanciamento) e de juros. Quando essa norma – chamada regra de ouro – é descumprida, os gestores e o presidente da República podem ser enquadrados em crime de responsabilidade.
Pelo PLDO 2023 o limite para operações de crédito será de R$ 17,3 bilhões para 2023. Mas a consultoria alerta que foi mantido o mecanismo previsto em PLDOs anteriores, que permite a inclusão, nos orçamentos fiscal e da seguridade social, tanto de operações de crédito acima do limite constitucional como das despesas a serem custeadas com esses recursos, desde autorizado pelo Congresso.
Assim, Senado e Câmara poderão autorizar a contratação de operações fora do limite por maioria absoluta, ou 257 deputados e 41 senadores. E é esse mecanismo que pode levar ao descumprimento da regra de ouro, afirmam os consultores.
Prioridades
O texto do Executivo estabelece como prioridades e metas da administração pública federal a educação na primeira infância, o que não estava previsto na LDO de 2022; ações destinadas à segurança hídrica; programas para geração de emprego e renda; e investimentos em andamento listados no Plano Plurianual 2020-2023.
Já as despesas não obrigatórias serão reduzidas dos R$ 131,3 bilhões de 2022 para R$ 108,2 bilhões em 2023, R$ 93,8 bilhões em 2024, e R$ 76,7 bilhões em 2025. O PLDO 2023 prevê ainda que, do total das despesas não obrigatórias do Poder Executivo, 8,8% serão destinados a investimentos em andamento entre 2023 e 2025. Para 2023, serão R$ 8,8 bilhões, afirma a Consultoria de Orçamento.
Saúde
O valor mínimo a ser aplicado em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) pela União é obtido pela correção do montante mínimo de 2022 (R$ 139,8 bilhões) pelo IPCA de janeiro a dezembro de 2022, ainda a ser apurado. Mas, considerando a estimativa de 6,5% para o índice de inflação prevista no PLDO 2022, o piso para 2023 será de aproximadamente R$ 148,9 bilhões, calculam os consultores.
Além desse valor, deverão ser incluídas no Orçamento as despesas com ASPS custeadas com recursos de royalties e da participação especial na exploração de petróleo e gás natural. Permanece a não obrigatoriedade de o Orçamento de 2023 prever a totalidade dos recursos necessários para atendimento do mínimo constitucional em saúde.
Orçamento impositivo
A Constituição permite que deputados e senadores apresentem emendas impositivas destinando recursos para a saúde. As emendas impositivas são um instrumento em que o deputado, senador, comissão ou a bancada estadual indicam ações, projetos e obras que o governo é obrigado a executar.
O montante destinado a essas emendas será equivalente aos valores desse item em 2017, no caso das emendas individuais, e em 2021, no caso das emendas de bancada estadual, corrigidos pelo IPCA acumulado de janeiro a dezembro de 2022.
No Orçamento deste ano, para alcançar os R$ 135,4 bilhões obrigatórios para gastos em saúde, o Executivo considerou que R$ 8,1 bilhões viriam das emendas impositivas.
Educação
O piso constitucional para o investimento na educação foi de R$ 62,6 bilhões em 2022 e deverá ser corrigido pelo IPCA para 2023.
Segundo o parecer de Marcos do Val, de 2016 a 2021 o investimento em educação caiu de 6,5% para 5,3% das despesas totais do Executivo federal, ou 22,1%. Foram R$ 74 bilhões contingenciados e remanejados para pagamento de outras despesas no período, afirma o relator.
Com a aprovação do Novo Fundo do Desenvolvimento da Educação básica (Fundeb), por meio da Emenda Constitucional 108, de 2020, a complementação devida pela União a estados e municípios, que antes era de 10% das receitas totais do fundo, passou para 12% em 2021, 15% em 2022 e deverá ser de 17% em 2023.
Para 2022, o Orçamento da União previu mais de R$ 30,1 bilhões para a complementação do Fundeb. Em 2023, considerando-se a projeção de crescimento real do PIB, estima-se que esse investimento atinja R$ 35 bilhões, dos quais R$ 33,4 bilhões serão gastos para equalizar as condições de financiamento das redes de ensino. Pela primeira vez serão distribuídos recursos segundo indicadores de melhoria da aprendizagem. Para isso está previsto R$ 1,6 bilhão.
Assistência social
Quanto aos sistemas de assistência social, estão reservados no PLDO R$ 80,2 bilhões para o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC). As despesas com o BPC crescem ano a ano, em função do aumento do salário mínimo e do número de beneficiários. O benefício, de um salário mínimo mensal, é pago às pessoas com mais de 65 anos de famílias com renda per capita igual ou inferior a um quarto do salário mínimo, e às pessoas com deficiência de qualquer idade na mesma situação de pobreza.
Em 2023 serão mais de 4,9 milhões de pessoas beneficiadas. Esse número deve aumentar porque, segundo o governo, há um estoque de mais de 710 mil requerimentos.
Já as despesas com o Auxílio Inclusão (benefício de meio salário mínimo pago às pessoas com deficiência que recebem o BPC e entram no mercado de trabalho com salário de no máximo dois salários mínimos) estão estimadas em R$ 333,9 milhões para 2023, R$ 345 milhões para 2024 e R$ 355,6 milhões para 2025.
Previdência
Pelo PLDO, a arrecadação do regime geral de previdência social (RGPS, do setor privado) é estimada para 2023 em R$ 484,1 bilhões (equivalentes a 5,61% do PIB). Já a projeção da despesa com o pagamento dessas aposentadorias para 2023 é de R$ 846,4 bilhões (8,08% do PIB). Nesse cenário, o governo terá que cobrir um déficit de mais de R$ 259,1 bilhões (2,47% do PIB).
Por outro lado, a despesa com as aposentadorias dos servidores públicos – o chamado Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) – é difícil de ser estimada porque cada órgão público a paga com recursos de seu próprio orçamento.
Um grupo de trabalho formado por técnicos do Ministério da Economia e do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea) estimou que a arrecadação do RPPS em 2021 teria sido de R$ 274,5 bilhões, enquanto os benefícios totalizaram R$ 1,584 trilhão, o que teria resultado num déficit de R$ 1,310 trilhão. Considerando a não reposição de servidores ativos, as projeções indicam queda do déficit do RPPS a partir deste ano, chegando a 0,73% do PIB no final de 2025.
Despesas com pessoal
As despesas de pessoal do governo federal deverão ficar em R$ 356,4 bilhões em 2023 (3,4% do PIB), R$ 365,5 bilhões em 2024 e R$ 372,5 bilhões em 2025.
Quanto às regras para essas despesas, o PLDO 2023 praticamente reproduz a LDO vigente, afirma a Consultoria de Orçamento. Há previsão para concessão de reajustes e reestruturação de carreiras, listadas como prioridade para o ano que vem. No entanto, as propostas de aumento e reestruturação de carreiras devem constar do Orçamento para 2023. Por outro lado, o PLDO autoriza a revisão geral dos salários, prevista na Constituição, desde que o projeto seja aprovado do jeito que o Executivo enviou.
Transferências voluntárias
Em relação às transferências voluntárias, foi mantida a verificação da regularidade fiscal de estados e municípios apenas no momento da formalização do convênio, não na etapa de desembolso, e retirado o prazo para análise do instrumento de transferência voluntária, que na LDO de 2022 é de 180 dias antes do vencimento.
Quanto às “condições suspensivas” dos convênios, o PLDO inova ao atribuir ao Executivo a regulamentação dos prazos. Atualmente o prazo mínimo é de 24 meses, prorrogável por 8 meses para os instrumentos de transferência em vigor.
Assim como na LDO vigente, o PLDO 2023 admite o comprometimento de recursos ainda que, quando da celebração do contrato, o promotor não tenha especificado tecnicamente o empreendimento ou mesmo comprovado a viabilidade da sua execução técnica, sua adequação como política pública ou ainda seu impacto ambiental. Por outro lado, foi retirado o prazo máximo de 90 dias para envio e homologação da síntese do projeto aprovado.
As transferências voluntárias são definidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000) como a entrega de recursos financeiros a outro ente da federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação legal ou seja destinada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Precatórios
O pagamento de sentenças judiciais, incluindo os precatórios, foi bastante alterado pela Emendas Constitucionais 113 e 114, de 2021. Uma das principais mudanças é que estarão fora da meta de resultado primário as receitas obtidas com encontros de contas, em que o cidadão ou empresa paga obrigações com a União usando direitos decorrentes de decisão judicial ou reconhecidos pela administração pública.
Por sua vez, o PLDO 2023 garante prioridade para o pagamento de sentenças de pequeno valor e para os precatórios de exercícios anteriores, mas não menciona as prioridades constitucionais para pagamento dos precatórios do ano em curso.
Os consultores legislativos apontam ainda o que seria um retrocesso em relação à transparência dos gastos com precatórios: o PLDO 2023 não exige a identificação das entidades da administração indireta condenadas em ações judiciais que deram origem a precatórios, devendo os respectivos recursos para o pagamento ser alocados no órgão Encargos Financeiros da União.
Alterações
O texto ainda prevê que os créditos suplementares e especiais que alterem o Orçamento de 2023 devem ser compatíveis com a meta de resultado primário. O crédito atenderá essa exigência se não aumentar despesas primárias ou, se aumentá-las, sua justificação demonstrar que o acréscimo está fundamentado no relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas primárias; ou ainda se forem despesas relativas a transferências obrigatórias a estados ou municípios.
Não se enquadrando nessas hipóteses, o aumento de despesa só pode ser feito se houver o cancelamento de outros gastos. Os Poderes deverão garantir o cumprimento dos limites de gastos até o encerramento do exercício financeiro, inclusive contingenciando as despesas incluídas por emendas parlamentares, exceto as impositivas.
Por outro lado, ao contrário de anos anteriores, o projeto não lista as despesas não obrigatórias que devem ser protegidas de contingenciamento (suspensão ou remanejamento). As despesas obrigatórias não podem ser contingenciadas.
Fundo de Amparo ao Trabalhador
Já as receitas e despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que financia o seguro-desemprego, o abono salarial e os programas de desenvolvimento econômico do BNDES, estão previstas em R$ 114,12 bilhões e R$ 69,5 bilhões, respectivamente, bem menores que nos anos anteriores.
Para Marcos do Val, a queda nas despesas deve-se às regras mais restritivas para o acesso ao seguro-desemprego trazidas pela Lei 13.134, de 2015, e ao aumento do número dos desempregados, que reduz a rotatividade, fazendo cair o número de pedidos. Por sua vez, as receitas – vindas principalmente do PIS/Pasep – também caem com a crise econômica.
Segundo o relator, o país tem taxas altas de desocupação há algum tempo. No trimestre encerrado em dezembro de 2021, por exemplo, a taxa de desemprego atingiu 11% segundo o IBGE, o equivalente a 11,7 milhões de pessoas desocupadas.
Como o seguro-desemprego, o abono salarial e a transferência para o BNDES compõem grande parte das despesas do FAT (mais de 99% do total), Marcos do Val afirma que resta um espaço mínimo para o financiamento do incentivo ao emprego, como a qualificação profissional e a intermediação de mão de obra.
“Sob a minha relatoria, tentaremos reverter essa realidade priorizando a geração de empregos por meio de ações que possam incentivar a retomada da indústria nacional, que incentivem a micro e pequena empresa e o empreendedorismo e ações que possam qualificar os cidadãos para o mercado de trabalho”, promete.
Execução provisória
A proposta amplia as situações em que o Executivo pode efetuar gastos no caso de o Orçamento da União para 2023 não ser aprovado, sancionado e publicado até 31 de dezembro de 2022. Foram incluídas as despesas relativas a situações de emergência ou calamidades públicas; ao acolhimento de imigrantes em situação vulnerabilidade; ao controle de fronteiras; e aos encontros de contas. Além dessas possibilidades, o projeto permite que sejam pagas despesas com projetos em andamento cuja paralisação possa causar prejuízos à administração.
Apresentação de emendas
Por último, o relatório preliminar a um PLDO contém as regras para a apresentação e o acolhimento de emendas às prioridades e metas definidos na proposta enviada pelo Executivo.
O parecer de Marcos do Val prevê que as emendas ao PLDO 2023 poderão ser apresentadas por deputado ou senador (individuais) e pelas bancadas estaduais e comissões permanentes do Congresso, do Senado e da Câmara dos Deputados (coletivas).
Não há limite para o número de emendas ao texto, mas aquelas que se refiram a despesas obrigatórias deverão identificar, na justificativa, a lei que determine a obrigatoriedade.
Já para as mudanças das prioridades dos gastos não obrigatórios, o parecer impõe um limite de duas emendas por bancada estadual; uma por comissão permanente; e uma emenda por parlamentar.
As emendas que destinem recursos para projetos em execução terão prioridade na inclusão no relatório final, propõe o parecer.