O PDL (projeto de decreto legislativo) que suspende os reajustes anuais da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) na tarifa de energia no Ceará pode aliviar a conta de luz neste ano, mas trazer riscos para o setor, prejudicar o serviço e causar uma supertarifa em 2023. A intenção, segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é anular os aumentos também em outros estados.
Em ano eleitoral, o parlamentar, que integra a base do governo, decidiu acelerar a tramitação do texto e aprovou requerimento de urgência, o que pôs ainda mais pressão sobre as distribuidoras e a agência. A proposta deve ser votada em breve. Nesta terça-feira (24), está prevista na pauta votação de projeto que limita alíquotas de tributos sobre energia e combustíveis.
Neste ano, foi aprovado alto reajuste no Ceará (24,88%), Alagoas (20%), Bahia (21%), Mato Grosso do Sul (17%) e Rio Grande do Norte (20%). Para José Rosenblatt, da consultoria de energia PSR, o aumento não foi tão sentido pelos consumidores porque coincidiu com o fim da bandeira de escassez hídrica, em abril. “Não houve uma diferença notável no preço da energia, e a cobrança extra acabou sendo substituída pelo reajuste”, afirma.
Segundo o autor do projeto, o deputado Domingos Neto (PSD-CE), sustar os reajustes ajudaria a controlar a inflação e aliviaria o peso da energia na produção e nos serviços. “O projeto nasce no momento em que a Aneel autoriza reajustes abusivos, acima da inflação e injustificáveis. Já tivemos reuniões com a agência e não encontramos ambiente onde se possa rever o aumento. Reduzir o valor da energia permite que ela não seja o grande vilão da inflação em 2022, por afetar todas as pessoas diretamente”, argumenta.
Dados do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) mostram que, apesar dos aumentos, o preço da energia caiu 6,27% em abril e foi um dos principais motivos para a perda de ritmo da inflação no mês. A queda ficou bem abaixo dos 20% anunciados pelo governo após o fim da bandeira de escassez hídrica. Em 2022, a energia acumula baixa de 6,14% e, nos últimos 12 meses, alta de 20,52%.
“Nós já temos um passivo do ano passado, porque a utilização da bandeira de escassez hídrica não foi suficiente para cobrir os custos de produção das termoelétricas, que têm energia mais cara e precisaram ser acionadas. Para cobrir o custo, o governo as autorizou a contratar empréstimos, e quem vai pagar são os consumidores em 2023”, analisa Côrtes.
Existe ainda o risco da manutenção da bandeira verde ao longo deste ano sem que haja circunstâncias climáticas para isso. “Temos condições para manter agora a tarifa mais barata, mas isso pode mudar nos próximos meses com o período de estiagem e podemos não conseguir mantê-la até o fim do ano, como o governo pretende, talvez por ser um ano eleitoral. Esse será mais um custo não coberto pelas tarifas. Consequentemente, no ano que vem isso terá que ser compensado”, explica.
Outro fator é o uso de termoelétricas em períodos com falta de chuvas. “O problema é estrutural, a gente tem uma dependência muito grande das termoelétricas. A tendência é que, em momentos de estiagem, essa geração seja mais utilizada. Muitas termoelétricas usam combustíveis fósseis, principalmente carvão e gás natural, que são commodities cotadas internacionalmente e o preço, por causa da guerra, está altíssimo. Então, o custo, já elevado, será maior ainda neste ano”, completa.
Para Pedro Côrtes, o alívio nas tarifas aparenta ter “cunho eleitoral”. “Há uma preocupação com as autorizações dadas pela Aneel. É correto buscar esse entendimento, porque há distribuidoras com a tarifa majorada bem acima da inflação e outras não. Mas pensar simplesmente em um congelamento cria um cenário favorável para este ano, enquanto a conta vai sendo empurrada para 2023, em vez de o impacto ser diluído”, analisa.
De acordo com o presidente da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), Marcos Madureira, a insegurança dos investidores ameaça não só o setor de energia, mas também “traz intranquilidade para toda a parte de infraestrutura do país”, afirma.
Segundo Pedro Côrtes, uma cobrança de tarifas que gerasse arrecadação insuficiente causaria déficit em geradoras e distribuidoras, pondo em risco a qualidade do serviço oferecido. “A distribuidora tem que pagar a seus fornecedores de energia, e há grandes chances de os custos ficarem com ela e não conseguir arcar com o valor dessa compra. Se a compensação não ocorrer, muitas empresas poderão deixar de fazer a manutenção adequada da rede alegando que estão com prejuízo e não têm recursos para as manutenções necessárias. Isso pode levar a uma queda da qualidade do suprimento de energia e a problemas de distribuição”, explica.
Além disso, o professor complementa que as distribuidoras podem ficar inseguras sobre quando serão compensadas. “Imagina-se que isso será cobrado em 2023, mas depende das atitudes de quem estiver no governo, porque empréstimos, inflação alta, custos de geração elevados podem fazer com que tentem empurrar alguma dessas coisas para 2024. A conta vai ser paga, mas as distribuidoras podem ficar receosas de quando isso vai acontecer. Esse pode ser mais um motivo para reduzirem investimentos em ampliação de rede e manutenção”, afirma Côrtes.
O autor do projeto discorda da ideia de que a qualidade do serviço oferecido aos consumidores possa ser afetada. “Não quero entrar nessa discussão, porque qualidade é um discurso à parte. O meu estado, o Ceará, é o campeão de reclamações sobre a companhia elétrica estadual. Vincular reajuste ao serviço oferecido está muito longe do assunto”, defende.
“Vemos que as empresas, na parte de energia elétrica, estão indo muito bem. Não há que falar em desequilíbrio financeiro ou risco para as concessionárias, muito menos quebra de contrato. Nós estamos tentando chegar a um denominador comum, e a agência está aí para isso, os contratos não imutáveis”, completa Domingos Neto.