A Terra Indígena Zoró, localizada no município de Rondolândia, na região noroeste de Mato Grosso, está celebrando um grande feito. A comunidade formada por cerca de 800 pessoas coletou 70 toneladas de castanha do Brasil em plena floresta amazônica, dando um exemplo de que é possível gerar renda a dezenas de famílias e manter a floresta em pé. E isso em uma das regiões do estado com maior pressão por desmatamento, devido à pecuária extensiva e à extração ilegal de madeira, conforme dossiê elaborado pelo Instituto Socioambiental (ISA).
De acordo com Ademir Ninija, presidente da Cooperativa de Produção do Povo Indígena Zoró (COOPERAPIZ), as 70 toneladas de castanha coletadas pelos Zoró estão avaliadas em mais de meio milhão de reais e a venda está sendo negociada com uma indústria especializada em amêndoas no Rio de Janeiro.
“A castanha valorizada possibilitou o aumento de renda das famílias, que passaram a comprar mais alimentos, além de vestimentas e outros utensílios importantes para o dia-dia, como eletrodomésticos. Foi uma grande transformação! Um coletor individual pode faturar, em média, R$ 1,9 mil nos três meses de período da safra (entre dezembro e fevereiro). Já para uma família, essa renda é de R$ 4 mil.”, comemora Ademir.
PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE
Ele conta ainda que devido à forte tradição de seu povo no extrativismo, quase toda a comunidade participa da atividade anualmente, sejam crianças, homens ou mulheres.
“Somente os mais idosos deixam de ir. Nesta última safra, a ação comunitária envolveu mais de 600 indígenas. Desde pequeno a gente aprende que esse fruto é a nossa fonte de renda, ao mesmo tempo que nos ajuda a preservar a natureza e defender o nosso território”, destaca Ninija.
SAFRA
Quem também tem comemorado os resultados atuais da safra é o Panderewup Zoró – o cacique geral da comunidade. Ele explica que a época da coleta é dividida em dois períodos. A primeira fase, que os indígenas chamam de “Safra de Natal”, vai de 15 a 28 de dezembro, que foi justamente o período em que os Zoró coletaram as 70 toneladas da amêndoa.
“É quando a castanha é mais procurada pelos atravessadores e compradores regulares. Nesta época é que se regula o preço da castanha. E na região os Zoró tem a tradição em regular o preço no mercado local e regional, devido iniciarem a coleta mais cedo e estarem organizados na produção e venda coletiva. Este benefício de preço justo se estende aos demais povos indígenas da região”, detalha o cacique.
Já o segundo período, conforme a liderança, é a continuidade da coleta que começou agora neste mês de janeiro e segue até o final de fevereiro. Nesta época o trabalho é maior, “pois a castanha pode estar mais molhada, e mais longe, por isso, antes de enviar para o mercado, para garantir a qualidade, recomenda-se lavar e até mesmo secar”, explica Panderewup.
Ao final dos dois períodos, espera-se que os Zoró coletem mais de 140 toneladas de castanha do Brasil, o que já está sendo considerado uma safra recorde, de acordo com Lígia Neiva, coordenadora técnica local da Fundação Nacional do Índio (Funai), no município de Rondolândia, onde fica a Terra Indígena Zoró. Neiva dá suporte há anos ao trabalho de etnodesenvolvimento com a atividade extrativista na comunidade.
COMERCIALIZAÇÃO
Mas, para onde vai tanta castanha? É aí que entra o projeto Sentinelas da Floresta, da Associação de Desenvolvimento Rural de Juruena (ADERJUR), que é financiado pelo Programa REM MT (do inglês REDD para Pioneiros).
O projeto articulou a venda de mais de 60 toneladas do produto junto a uma empresa do Rio de Janeiro especializada na comercialização da amêndoa. A negociação está na reta final e calcula-se que a venda será no valor de R$ 550 mil.
“A nossa estratégia é vender o produto à vista para um único comprador que tenha poder de compra em escala. Dessa forma, os ganhos para os extrativistas ocorrem de maneira muito mais rápida”, destaca Paulo Nunes, engenheiro agrônomo e coordenador geral do Projeto.
Para além da renda, a questão ambiental
Ninija observa ainda que outro aspecto importante do projeto, além da geração de renda, é a preservação e a fiscalização do território.
“Preservamos, porque sem a floresta a gente perde a nossa fonte de renda, e, por outro lado, também perdemos a nossa cultura de pescaria com timbó (pesca secular dos Zoró), que é feita no Rio Branco, que banha a nossa aldeia. E a castanha também ajuda a gente a fiscalizar o território, pois, através da coleta na floresta, a gente verifica a entrada de possíveis invasores, como madeireiros, posseiros e pescadores”, detalha.
Mantendo a floresta em pé
Marcos Balbino, coordenador do subprograma Agricultura Familiar de Povos e Comunidades Tradicionais (AFPCTs) do REM MT, ressalta que uma das principais metas do seu subprograma é fortalecer a atividade econômica dessas cadeias de valor, uma vez que são práticas que ajudam a manter a floresta em pé.
“Quando você traz esse aprimoramento dos processos produtivos e financeiros, vem junto com eles a consciência de conservação ambiental, pois o número de castanheiras na área é limitado.E as famílias têm noção de que esse recurso natural não pode acabar ao longo do tempo. Porque senão, acaba também a fonte de renda já desenvolvida”, explica o gestor.
Cobiçada no exterior
Com alto valor nutritivo e com vários benefícios à saúde, a castanha do Brasil é um dos produtos nacionais mais cobiçados no exterior. As amêndoas, ricas em proteínas e vitaminas, podem ser consumidas como alimento ou para extração do óleo, que pode se tornar cremes faciais, shampoos e sabonete líquido. Para a saúde humana, o consumo diário do alimento melhora a absorção de selênio no organismo, controlando assim o nível de colesterol no sangue e reduzindo os riscos de doenças no coração.