Além dos cerca de 340 mil mortos por Covid-19, o Brasil tem quase 117 milhões de pessoas sem acesso pleno e permanente a alimentos, dos quais mais de 19 milhões passam fome diariamente, segundo a rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Além disso, de acordo com pesquisa da Campanha “Despejo Zero”, 9.156 famílias já foram despejadas e outras 34.546 estão ameaçadas de despejo. E o Brasil ainda coleciona recordes de informalidade, desemprego, violação de direitos e violência contra as minorias.
A pesquisadora da Anistia Internacional Aline Maia sintetizou outros agravantes mostrados no relatório anual da entidade, divulgado nesta quarta-feira.
“Ele aborda a violação dos direitos humanos em diversos aspectos e em diversas áreas, como violência de gênero, defesa dos direitos humanos, das populações tradicionais, direito ao meio ambiente, entre outros aspectos. Esse relatório demonstra que essas violações – ou grande parte delas – foram agravadas pela pandemia no ano passado e que continuam sendo cada vez mais aprofundadas em 2021”, contou.
Atuação da comissão
O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Carlos Veras (PT-PE), afirmou que a reunião com a sociedade civil servirá de base para a agenda de ações, votação de propostas e novas audiências públicas do colegiado, a fim de aprofundar a busca de soluções.
“Esperamos reforçar o permanente diálogo com a sociedade civil e reafirmo que essa comissão continuará a ser espaço de acolhimento das demandas de grupos desprestigiados nas relações de poder e de combate à violação de direitos fundamentais infelizmente agravados pela pandemia”, disse.
O secretário-geral da Defensoria Pública da União, Gabriel Saad, deu o tamanho do desafio.
“Nós acompanhamos atualmente um contexto de crise sobre crise. Temos que avançar na proteção social, na garantia dos direitos sociais, das liberdades individuais e na garantia do Estado de Direito, como disciplinado na Constituição Federal”.
Luiza Spinassé, representante da comunidade Bahá’í, sugeriu a criação de um painel de monitoramento de violação dos direitos humanos, no âmbito da comissão da Câmara, dando atenção às necessidades básicas das populações que estão agora sob ameaça.
“E criar espaço para discutir quais indicadores poderiam ser monitorados para que a gente possa ter uma ideia muito clara sobre onde estão as necessidades, possa atuar nessas emergências e não permitir que elas sejam invisibilizadas”, disse.
Resistência
Várias entidades também cobraram da Comissão de Direitos Humanos resistência diante do que chamam de “agenda do retrocesso”. A presidente da Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep), Rivana Ricarte, colocou nesta lista a chamada “pauta de costumes” defendida pelo governo Bolsonaro e as propostas que, segundo ela, “ampliam o estado penal”, ou seja, os projetos que tratam de criminalização dos movimentos sociais (PL 1595/19) e de alteração em pontos da Lei de Segurança Nacional (PL 6764/02).
A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, pediu a aprovação de políticas públicas de longo prazo, para atender os trabalhadores informais, e de propostas que combatam a precarização das condições de trabalho. O diretor-executivo da Associação Educafro, Frei David Santos, cobrou urgência na tramitação de propostas elaboradas pela extinta CPI da Câmara que investigou o extermínio de jovens negros. Na mesma linha, o procurador federal dos direitos do cidadão e subprocurador-geral da República, Carlos Vilhena, pediu foco da comissão “nas pessoas da periferia, desempregados, pobres, negros e a grande parcela de vulneráveis ampliada pela pandemia”.
Os movimentos sociais ainda manifestaram preocupação com o que chamam de “riscos de autoritarismo” no país, como afirmou Iêda Leal, da coordenação do Movimento Negro Unificado.
“Uma das nossas tarefas é esta: vigiar a nossa democracia. Precisamos nos reorganizar para defender vidas”.
Pedido de impeachment
Olímpio Rocha, do conselho estadual de direitos humanos da Paraíba, alegou má condução do enfrentamento à pandemia, incentivo de tratamentos precoces e atraso no processo de vacinação contra Covid-19 como alguns dos motivos para a Câmara abrir processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. O deputado Delegado Éder Mauro (PSD-PA) saiu em defesa do governo.
“Quero aqui me deixar à disposição para que a gente possa ajudar a fazer as mudanças e a levar os benefícios para a população brasileira nos projetos, nas propostas e na questão das vacinas. E tenho certeza de que o presidente Bolsonaro está socorrendo todos os municípios desse país”, afirmou.
Outros deputados de oposição, como Talíria Petrone (Psol-RJ) e Sâmia Bomfim (Psol-SP), ambas do Psol, destacaram o papel da Comissão de Direitos Humanos como “trincheira e espaço de mobilização” da sociedade civil, inclusive em prol da vacinação para todos. Também lembraram que a proposta (PL 827/20 e 19 apensados) que proíbe os processos de despejo durante a pandemia já teve a urgência aprovada e só aguarda a votação final no Plenário da Câmara.
Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Ana Chalub