Governança nacional e global tem de inovar para enfrentar maré de desinformação, diz Haddad

Em evento científico em Paris, ministro da Fazenda destaca engajamento dos países para promover transição ecológica das economias

Fonte: AgênciaGov

Governança nacional e global tem de inovar para enfrentar maré de desinformação, diz Haddad - Reprodução/Science Po
Governança nacional e global tem de inovar para enfrentar maré de desinformação, diz Haddad - Reprodução/Science Po

A campanha permanente pela inovação na governança no plano nacional e internacional é a melhor forma de enfrentar a maré da desinformação que polui o debate público em todo o mundo. A afirmação é do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante participação em conferência no Instituto de Estudos Políticos de Paris, da Sciences Po. Haddad defendeu que essa inovação na governança exige uma aliança política entre ciência e sociedade em nível global.

Desse modo, o ministro “convocou” a comunidade científica, econômica e política presente à conferência a se engajar nessa aliança. O tema da conferência foi “Dez anos após o Acordo de Paris: governar na era climática”.

No evento, Fernando Haddad expôs a posição da área econômica brasileira, que abriu o atual mandato federal com a apresentação, pelo Ministério da Fazenda, de um Plano de Transformação Ecológica. Ou seja, reiterando ser imprescindível às economias do planeta “enraizar” a agenda do clima em toda a gestão do Estado.

“Embora o Brasil tenha desempenhado um papel histórico nas agendas ambientais, até pouco tempo atrás os ministérios da área econômica estavam alheios a esse debate. Já no primeiro ano, lançamos o Plano de Transformação Ecológica – o Novo Brasil”, disse. O ministro da Fazenda destacou a implementação de dezenas de políticas e ferramentas estruturantes. “Aprovamos a lei do Mercado de Carbono e da Taxonomia Sustentável, desenvolvemos e introduzimos novos mecanismos financeiros, e lançamos uma plataforma de investimentos para mobilizar recursos estrangeiros”, observou.

Da doação ao investimento com retorno

O potencial do Brasil de liderar pelo exemplo, promovendo uma agenda climática inclusiva e focada na implementação de soluções concretas, e reconhecido no mundo, também, foi citado. “Só assim a COP 30 entrará na história como a COP da implementação”, informando que o Ministério da Fazenda está empenhado em responder a apelos para que a Conferência do Clima de Bel´me, em novembro, “resgate a centralidade do multilateralismo” e posicione o Brasil “como líder pelo exemplo e pela cooperação em prol de um multilateralismo reforçado”.

Ou seja, reiterou que num mundo hoje assolado pelo anti-multilateralismo praticado por algumas nações: “A melhor resposta à crise do multilateralismo é ousarmos ainda mais no multilateralismo. No espírito do ‘mutirão’ — termo indígena destacado pelo Presidente da COP 30, embaixador André Corrêa do Lago —, pedimos a mobilização de todos”.

Nessa linha, dirigindo seu pronunciamento aos anfitriões Pierre Charbonnier, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa Científica, e Laurence Tubiana, diretora da Fundação Europeia para o Clima, Fernando Haddad citou o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Cujo conceito supera o “paradigma da doação” para o de “investimento com retorno”. Isto é, as políticas e recursos voltados para a proteção de florestas tendem também a responder com lucros sustentáveis.

“Uma vez constituído, o TFFF tem o potencial de impactar um bilhão de hectares de florestas, o equivalente a 18 vezes o território da França, em 70 países em desenvolvimento, começando pelo Brasil”, resumiu.

Fernando Haddad felicitou Charbonnier pela crítica ao “mito do progresso infinito”: “Lembra-nos que, para construir um futuro sustentável, precisamos romper com as lógicas do passado e adotar uma nova visão de prosperidade, que integre tanto as questões sociais quanto ambientais.”

E fez também um alerta para a defesa das democracias como ponto de apoio para a construção de um mundo mais justo e sustentável: “Sabemos que não há um paradigma fixo para a Governança na Era do Clima. Choques políticos, econômicos e até militares podem derrubar, da noite para o dia, experiências institucionais promissoras e interromper a dinâmica de aprendizado e de progresso da sociedade”.

Íntegra do pronunciamento de Fernando Haddad na Sciences Po

Senhoras e senhores,

É um privilégio estar aqui hoje, cercado por pessoas que me fazem sentir acolhido. Em 2015, como Prefeito de São Paulo, tive a honra de inaugurar, ao lado da prefeita e amiga Anne Hidalgo, a Escola de Urbanismo da Sciences Po. E espero que a conferência de hoje marque uma etapa no avanço da Escola do Clima, um projeto de grande importância.

Em um momento em que as universidades enfrentam pressões mesmo em democracias consolidadas, todos nós depositamos nossa confiança na Sciences Po para liderar o debate sobre as mudanças climáticas, a crise que conecta e agrava todas as outras crises.

Sabemos que não há um paradigma fixo para a Governança na Era do Clima. Choques políticos, econômicos e até militares podem derrubar, da noite para o dia, experiências institucionais promissoras e interromper a dinâmica de aprendizado e de progresso da sociedade.

Nosso objetivo, desde que chegamos ao governo em 2023, tem sido enraizar a agenda do clima na forma como administramos o Estado. Não era óbvio começar pelas finanças. Embora o Brasil tenha desempenhado um papel histórico nas agendas ambientais, até pouco tempo atrás os ministérios da área econômica estavam alheios a esse debate. Já no primeiro ano, lançamos o Plano de Transformação Ecológica – o “Novo Brasil”.

Em um cenário de adversidade, com o governo em minoria no Congresso e uma demanda legítima e urgente por ações sociais de impacto imediato, conseguimos implementar dezenas de políticas e ferramentas estruturantes. Aprovamos a lei do Mercado de Carbono e da Taxonomia Sustentável, desenvolvemos e introduzimos novos mecanismos financeiros, e lançamos uma plataforma de investimentos para mobilizar recursos estrangeiros.

O plano tem um papel crucial no cumprimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil no Acordo de Paris, que contém uma meta ambiciosa de redução de emissões. O Plano também apoiará políticas que sustentarão a queda em mais de 60% no desmatamento na Amazônia, que alcançamos em apenas dois anos, e o cumprimento da meta de desmatamento zero até 2030.

O Plano de Transformação Ecológica fortaleceu as credenciais brasileiras para participar de maneira audaz nos debates globais e defender uma nova Governança na Era do Clima que chamamos de “re-globalização sustentável” no G20. Na defesa da tributação dos super-ricos, um imperativo moral diante do avanço das oligarquias dentro das democracias, França e o Brasil mostraram o caminho da coordenação Norte-Sul que pode ajudar o sistema internacional a sair do impasse.

Sem o apoio de intelectuais como Gabriel Zucman e Esther Duflo, o primeiro passo para uma tributação coordenada dos super-ricos não teria sido alcançado com a Declaração sobre Cooperação Tributária Internacional e o documento final da Cúpula do G20 no Rio, em novembro passado. Esperamos poder reeditar essa parceria franco-brasileira na COP com outras bandeiras.

Caro Luis, caro Pierre, cara Laurence,

O timing do convite de hoje não poderia ser melhor. O mundo mudou muito desde a Cúpula do G20. Estamos passando por um momento de inflexão sobre o papel e o posicionamento global da América Latina e da Europa. É nesse contexto que o Brasil se prepara para a COP 30.

Pierre, você critica o “mito do progresso infinito”, convidando-nos a repensar a relação entre nosso modo de vida e os recursos limitados do planeta. Lembra-nos que, para construir um futuro sustentável, precisamos romper com as lógicas do passado e adotar uma nova visão de prosperidade, que integre tanto as questões sociais quanto ambientais.

Laurence, você que conhece tão intimamente o Acordo de Paris, sabe a importância de trazer as finanças para o coração do debate sobre o clima. Você destacou que o Brasil tem o potencial de liderar pelo exemplo, promovendo uma agenda climática inclusiva e focada na implementação de soluções concretas. Só assim a COP 30 entrará na história como a COP da implementação.

Sob a liderança do Presidente Lula, o Ministério da Fazenda está empenhado em responder a apelos por uma COP 30 bem-sucedida, que resgate a centralidade do multilateralismo. Na esteira do Plano de Transformação Ecológica e da presidência brasileira do G20, vamos trabalhar para posicionar o Brasil como líder pelo exemplo e pela cooperação em prol de um multilateralismo reforçado.

Com essa ambição, pretendemos contribuir para o Roadmap Baku-Belém em torno do objetivo de canalizar pelo menos 1,3 trilhão de dólares para o financiamento climático dos países em desenvolvimento até 2035.

Sem querer me estender, gostaria de mencionar duas outras contribuições que estão sendo desenvolvidas no seio do nosso Ministério para a agenda internacional do clima. A primeira, o Tropical Forest Forever Facility (TFFF), é construída a partir de um conceito promissor: a passagem do paradigma da doação para o de investimento com retorno, de modo a incentivar os países desenvolvidos a se envolverem com a proteção das florestas mesmo em um momento de restrições fiscais.

Uma vez constituído, o TFFF tem o potencial de impactar um bilhão de hectares de florestas, o equivalente a 18 vezes o território da França, em 70 países em desenvolvimento, começando pelo Brasil.

O segundo projeto parte da compreensão de que o financiamento sustentável precisa de um marco regulatório robusto. Estamos reunindo os melhores economistas para qualificar o debate iniciado pela Alemanha com o Clube do Carbono e propor novas formas de coordenação para regulação das emissões internacionais que atenda às necessidades dos países emergentes.

Ambos projetos estão unidos pelo mesmo princípio: a melhor resposta à crise do multilateralismo é ousarmos ainda mais no multilateralismo. No espírito do “mutirão” — termo indígena destacado pelo Presidente da COP 30, Embaixador André Corrêa do Lago —, pedimos a mobilização de todos.

A campanha permanente pela inovação na governança no plano nacional e internacional é a melhor forma de enfrentar a maré da desinformação que polui o debate público. Ela depende de uma aliança da política com a ciência e a sociedade não apenas nacional, mas transnacional, alinhada ao que estamos construindo. Laurence, Pierre, e toda a comunidade da Sciences Po: vocês estão todos convocados.

Gostaria de finalizar com uma mensagem para os estudantes brasileiros da Sciences Po. O recém-premiado filme Ainda Estou Aqui também narra a história de brasileiros que se exilaram na França durante a ditadura militar e retornaram para ajudar na construção de nossa democracia. Paris acolheu um sem-número de intelectuais, políticos e artistas que, juntos, construíram uma visão do Brasil que se consolidou como plataforma política sob a liderança do Presidente Lula.

A Sciences Po celebrou esses feitos em 2011, quando o Presidente Lula recebeu o seu título de Honoris Causa, e hoje nos reunimos novamente para falar do nosso futuro. Essa conexão entre o que é discutido nestes anfiteatros e como a política transforma a vida das pessoas no Brasil é algo que vocês, estudantes brasileiros aqui presentes, devem reivindicar para sempre.