A violência contra mulheres não deixa marcas apenas nas vítimas, mas em todo seu círculo familiar. Quando se trata dos crimes de homicídios, as marcas são ainda mais dolorosas, com dezenas de crianças e adolescentes órfãos dos vínculos físicos e afetivos.
A Polícia Civil identificou que as mortes violentas de mulheres registradas em Mato Grosso no ano passado deixaram 70 filhos sem mães, entre crianças, jovens e adultos. Destes, 21 eram filhos das vítimas com os autores. Entre os registros de feminicídios, duas vítimas estavam gestantes quando foram mortas.
Tais acontecimentos desestruturam famílias inteiras, com filhos sem mães e pais, pois em muitas situações, os homens cometeram suícidio após matar suas companheiras ou foram presos.
Os números fazem parte do estudo realizado desde 2020 pela Diretoria de Inteligência da Polícia Civil para traçar o perfil de mulheres vítimas de mortes violentas. O levantamento coordenado pela Gerência de Inteligência Estratégica é realizado com base nos boletins de ocorrência e em inquéritos policiais e traz ainda os dados sobre local dos crimes, meio empregado nos homicídios, solicitação de medidas protetivas, perfis das vítimas, vínculo entre vítimas e autores dos crimes, o índice de esclarecimento dos homicídios e os efeitos da violência contra mulheres.
Dos homicídios e feminicídios cometidos no ano passado contra mulheres, 80% deles foram esclarecidos. Do total de crimes ocorridos, 66 autores foram indiciados e 24 dos casos seguem em apuração.
Josilaine Maria Gomes dos Reis, 31 anos, deixou três filhos órfãos de seus cuidados. Ela foi morta a golpes de faca pelo seu ex-companheiro, com quem tinha um filho pequeno. Ele não aceitava o fim do relacionamento e na noite do dia 5 de outubro do ano passado, invadiu a casa dela, no bairro Nova Esperança, em Cuiabá, e na frente dos filhos atacou a ex-mulher. A técnica de enfermagem estava dormindo quando sofreu os primeiros golpes, que terminaram dentro do banheiro da casa. Após cometer o crime e também atentar contra a própria vida, o autor do crime pediu às crianças que fossem até um vizinho para avisar o que ele havia cometido e chamasse a polícia.
Outro crime que deixou crianças órfãs e produziu uma tragédia familiar foi registrado pela Polícia Civil em dezembro de 2021, em Várzea Grande. A técnica em enfermagem, Franciele Robert da Silva, 33 anos, foi morta pelo ex-marido, que invadiu a casa dos pais à sua procura. Para defender a filha, o pai de Francieli, de 67 anos, entrou em luta corporal com o ex-genro e foi ferido gravemente. Depois, o criminoso foi até o quarto onde a vítima tentava se esconder, junto com a filha de 12 anos, arrombou a porta e desferiu diversos golpes contra a Francieli, que a levaram a óbito. O pai dela chegou a ser socorrido a um hospital, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no dia seguinte.
Violência progressiva
A delegada Mariell Antonini Dias, coordenadora da Câmara Temática de Defesa da Mulher da Sesp, destaca que o estudo ajuda a compreender melhor o fenômeno da violência doméstica, deixando claro o risco a que as mulheres estão submetidas quando vivem situação de violação de direitos em casa e não procuram ajuda da Polícia.
“Muitas mulheres pensam que o agressor não terá coragem de ceifar a vida delas e que as ameaças são vazias, mas as estatísticas demonstram que a maior parte das mortes de mulheres ocorre em casa por pessoas que possuem vínculo com elas, sendo necessário que todas entendam que a violência pode ser progressiva e cada vez mais letal. E, por isso, devem buscar auxílio para o problema que está acontecendo dentro de casa, tornando visível ao Estado o que, apenas quem está na relação, conhece”, argumenta a delegada, titular da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher de Várzea Grande.
A coordenadora da Câmara Temática de Defesa da Mulher destaca ainda que os familiares também são importantes nesse processo de rompimento do ciclo da violência e tem o dever moral de auxiliar a vítima, buscando o aparato estatal.