O legado póstumo: Reflexões sobre o reconhecimento além da vida

Este fenômeno, embora não universal, é suficientemente comum para provocar uma reflexão profunda sobre os valores e percepções sociais que regem nosso reconhecimento dos feitos humanos.

Fonte: Fabiano de Abreu

lili kovac 0RXoQqaXncs unsplash

Em um mundo onde o imediatismo e a visibilidade instantânea parecem dominar, surge uma paradoxal observação: os feitos de muitas pessoas ganham verdadeiro reconhecimento apenas após sua morte. Este fenômeno, embora não universal, é suficientemente comum para provocar uma reflexão profunda sobre os valores e percepções sociais que regem nosso reconhecimento dos feitos humanos.

O primeiro ponto a ser considerado é a natureza da memória e do legado. Durante a vida, as ações e realizações de uma pessoa são frequentemente ofuscadas por controvérsias, política, ou simplesmente pelo ruído constante da sociedade contemporânea. Após a morte, no entanto, há uma tendência a separar a pessoa de seu contexto imediato, permitindo que suas realizações sejam vistas em uma luz mais clara e, muitas vezes, mais favorável. Esse distanciamento pode levar a uma apreciação mais sincera e menos influenciada pelas complexidades da vida cotidiana.

Além disso, o fenômeno pode ser parcialmente explicado pela psicologia do “ego social”. Vivemos em uma era onde o ego, muitas vezes nutrido pelas redes sociais e pela cultura do espetáculo, desempenha um papel significativo na forma como percebemos os outros e a nós mesmos. O reconhecimento póstumo pode ser uma forma de reconciliação, onde a sociedade coletivamente “dá o braço a torcer”, admitindo o valor das contribuições de alguém sem a ameaça do ego ou da competição.

Interessantemente, isso levanta questões sobre a natureza da valorização e do reconhecimento. Estamos treinados a acreditar e valorizar o que não podemos ver, o que é imortalizado e eternizado pela morte. A morte, em sua finalidade absoluta, elimina a possibilidade de mudança e evolução, fixando uma pessoa e suas ações no tempo. Isso pode criar uma forma de idealização que raramente é alcançável na vida.

Finalmente, este fenômeno serve como um lembrete para valorizar e reconhecer as contribuições das pessoas enquanto elas estão vivas. Existe uma beleza e uma importância fundamental em celebrar as realizações e o impacto das pessoas em tempo real, reconhecendo que a apreciação não precisa esperar até que seja tarde demais.

Em resumo, o reconhecimento póstumo é um reflexo de como a sociedade constrói e entende o legado e o valor humano. Ele nos desafia a pensar sobre como valorizamos os outros e suas contribuições, tanto na presença quanto na ausência, e nos lembra da importância de celebrar os feitos e o impacto das pessoas aqui e agora.

Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, Colunista do Cenário MT é um Pós-doutor e PhD em neurociências eleito membro da Sigma Xi, The Scientific Research Honor Society e Membro da Society for Neuroscience (USA) e da APA - American Philosophical Association, Mestre em Psicologia, Licenciado em Biologia e História; também Tecnólogo em Antropologia com várias formações nacionais e internacionais em Neurociências e Neuropsicologia. É diretor do Centro de Pesquisas e Análises Heráclito (CPAH), Cientista no Hospital Universitário Martin Dockweiler, Chefe do Departamento de Ciências e Tecnologia da Logos University International, Membro ativo da Redilat, membro-sócio da APBE - Associação Portuguesa de Biologia Evolutiva e da SPCE - Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação. Membro Mensa, Intertel e Triple Nine Society, sociedades de pessoas com alto QI.