Com o uso de modelos matemáticos calibrados para as condições do Cerrado, os pesquisadores procuraram simular as emissões do gás de efeito estufa (GEE) óxido nitroso (N 2 O) sob diferentes sistemas de manejo para um período de 50 anos e constataram que, com o aumentando a temperatura ao longo do tempo, essas emissões serão cada vez maiores, enquanto a produção de biomassa e o rendimento de grãos diminuirão. As simulações também apontaram que os sistemas agrícolas que utilizam plantas de cobertura como o Sistema Plantio Direto, apesar da redução de produtividade com o passar dos anos, são, em média, mais produtivos e com menor emissão de N 2 O em comparação aos sistemas eficientes .
Os resultados estão descritos em artigo publicado no periódico Agriculture, Ecosystems & Environment , no qual o modelo de simulação solo-cultura STICS (sigla para Simulateur mulTIdisciplinaire pour les Cultures Standard ) apresentou resultados elevados para simular e prever o crescimento e a produtividade das culturas de grãos , bem como as emissões de N 2 O em sistemas de plantio convencional e planejamento direto em função das mudanças climáticas previstas para o Cerrado. O modelo também apresentou bom desempenho para a dinâmica da água e temperatura do solo.
O estudo foi realizado em um experimento de longa duração implantado em 1995 na Embrapa Cerrados (DF) e, além de pesquisadores dessa unidade, contou com a participação de colegas da Embrapa Meio Ambiente (SP) e da Universidade de Brasília ( UnB ). Foram avaliados três sistemas de uso do solo: preparo convencional com grau de discos e rotação bianual de gramínea/leguminosa (milho/soja) (CT); plantio direto, com sucessão cultural leguminosa-gramínea (soja/sorgo) (NT1); e plantio direto, com sucessão gramínea-leguminosa (milho/feijão guandu) (NT2). Câmaras estáticas fechadas foram utilizadas para medir os fluxos de N 2 O para a modelagem na pesquisa.
No período do estudo, foram coletados dados de atributos do solo, de crescimento, desenvolvimento e rendimento das variedades cultivadas, da umidade e temperatura do solo, conforme o manejo cultural. O modelo STICS foi calibrado a partir dos dados da cultura e fluxos de N 2 O medidos nos sistemas CT e NT1 e, em seguida, foi testado com os dados obtidos no sistema NT2 para avaliar os efeitos do manejo do solo em cada sistema, nas emissões de N 2 O e na produção de grãos e de biomassa.
Parâmetros
Após a validação, o modelo foi utilizado para prever o impacto dos cenários de alterações climáticas nas emissões de N 2 O e na produção agrícola, considerando as variações climáticas simuladas pelo modelo climático ETA-HADGEM: temperaturas máximas e mínimas diárias do ar, radiação solar incidência e pluviosidade (chuva) medidas pela estação meteorológica da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF), nos três quadrimestres do ano – janeiro, fevereiro, março e abril (final da estação quente e chuvosa); maio, junho, julho e agosto (estação seca e mais fria) e setembro, outubro, novembro e dezembro (início da estação quente e chuvosa).
O modelo ETA-HADGEM apontou tendências significativas para o aumento das temperaturas médias, máximas e mínimas anuais no período de 2021 a 2070 para o local avaliado. Os resultados do ajuste do modelo climático indicam, ainda, uma tendência de aumento de até 1,8º C na média de temperaturas mínimas diárias, e 2,2º C na média de temperaturas máximas diárias para o período analisado. O aumento mais significativo ocorre no terceiro quadrimestre do ano, que coincide com o início da estação quente e chuvosa (verão) e o início da semeadura e crescimento das culturas na região.
Mais emissões, menos biomassa e rendimento de grãos ao longo do tempo
De acordo com as simulações do STICS tanto na soja quanto no milho, a média das emissões acumuladas anualmente de N 2 O no período projetado de 50 anos é significativamente maior no tratamento com preparo convencional (CT) (1,7206 kg /ha e 2,3832 kg/ha respectivamente) do que nos tratamentos com plantio direto (NT) (0,6947 kg/ha e 0,7331 kg/ha). Em cada década prospectada, as emissões acumuladas de N 2 O em CT são cerca de 2,5 vezes maiores quando comparadas a NT. Independente dos sistemas de manejo, estima-se um aumento significativo das emissões de N 2 O nas três primeiras décadas, nos períodos (2021-2023, 2031-2040 e 2041-2050).
“Em relação às emissões acumuladas de N 2 O estimadas pelo STICS, podemos verificar que, no caso da cultura de milho, as emissões sob o tratamento planejamento direto (milho + feijão guandu) foram em média 3,5 vezes menores do que sob o tratamento convencional (apenas safra de milho). No caso da soja, as emissões de N 2 O no sistema de plantio direto (soja + sorgo) foram 2,5 vezes menores em comparação ao tratamento convencional (apenas safra de soja), como mostramos no estudo”, diz o pesquisador Alfredo Luiz , da Embrapa Meio Ambiente.
Quanto à produção média de biomassa simulada para o período, no tratamento NT2 (milho + feijão guandu) o milho apresenta produção 30,2% superior ao milho em CT. Esse padrão também foi apresentado em cada década do período, exceto na última, em que há uma diminuição significativa na produção de biomassa em comparação com a primeira década. No caso da soja, a produção média anual de biomassa foi bem maior (55,7%) no tratamento plantio direto (soja + sorgo) do que no preparo convencional (soja), comportamento observado nas simulações. Ao longo das décadas, ocorre uma diminuição significativa na produção de biomassa em todos os sistemas de manejo.
Já os dados de produtividade de grãos simulados pelo modelo mostram que a produtividade média do milho é significativamente maior no NT (6,6 mil t/ha) do que no CT (5,87 mil t/ha). Além disso, em todos os sistemas de manejo avaliados há uma diminuição significativa na produtividade de grãos da primeira década do período, seguindo a mesma tendência observada para a biomassa. Já a produção média de grãos de soja simulada pelo STICS não apresentou diferença significativa entre os tratamentos, com valores médios de 1.599 t/ha para o CT e 1.574 t/ha para o NT. Assim como no milho, nossos dois sistemas ocorrem diminuídos na produtividade da primeira à última década do período desenvolvido.
O pesquisador Fernando Macena , da Embrapa Cerrados, relata que o modelo climático ETA-HADGEM antecipa uma tendência significativa e consistente de aumento de até 1,77°C na média de temperaturas mínimas diárias e 2,21°C na média de temperaturas máximas diárias “Com base nesse aumento da temperatura previsto para o período 2021-2070, podemos concluir, a partir dos dados gerados pelo modelo STICS, que há fortes evidências de que o rendimento de grãos e a biomassa aérea total das plantas diminuem, o que pode provocar uma diminuição impacto grave no setor agrícola da região. Os dados também mostram que há uma tendência crescente no aumento das emissões de N 2 O no período simulado”, analisa o pesquisador. A expectativa é de que isso ocorra para os dois sistemas de manejo do solo treinado. “Acreditamos que o aumento nas emissões ao longo dos anos está relacionado ao aumento da temperatura e à redução do ciclo das culturas, e que os efeitos são mais pronunciados nos sistemas de manejo do solo intencional”, completa.
Sistemas mais resilientes às mudanças climáticas
Diversos estudos enfatizam que o manejo do solo, as variações de culturas, a sazonalidade das chuvas, a umidade e a temperatura do solo, o teor de nitrogênio mineral, bem como as interações entre todos esses fatores são as principais variáveis que definem as emissões de N 2 O. No Cerrado brasileiro, pesquisas mostram que a aplicação de fertilizantes nitrogenados geralmente aumenta as emissões de N 2 O devido ao aumento na concentração de nitrogênio mineral no solo, fornecidos para aplicações bioquímicas de produção e emissão de N 2 O para a atmosfera .
“De modo geral, menores emissões de N 2 O, simuladas ou observadas, podem ser explicadas pela não perturbação do solo (plantio direto) e pela presença de plantas de cobertura, que oferecem maior estabilidade de agregados e predominância de frações mais derivadas da matéria orgânica”, aponta pesquisadora da Embrapa Arminda Carvalho .
Além de menores emissões acumuladas de N 2 O com a utilização do Sistema Plantio Direto em comparação ao sistema convencional, os pesquisadores destacam que, em qualquer período observado, a produtividade das duas culturas de microrganismos testadas é igual ou superior nesse sistema de manejo do solo , que tem se marcado, assim, o mais recomendado para as condições do Cerrado. “Nossos resultados podem indicar maior resiliência do Sistema Plantio Direto frente às mudanças climáticas, no que diz respeito às emissões de N 2 O e à produção de biomassa e grãos nas condições da região. No planejamento direto, a cobertura vegetal e os resíduos culturais permanecem na superfície e podem melhorar a agregação do solo e estabilidade da matéria orgânica”, reforça Carvalho.